NÃO FIQUEI TRISTE

NÃO FIQUEI TRISTE

Ontem fez quinze dias que o Brasil ficou fora da copa do mundo. E hoje é exatamente o dia em que meu coração pediu para falar sobre esse fato que, realmente, não me entristeceu. Já estava triste. Triste, quando vi, logo nos primeiros jogos, a falta de raça dos “astros” que teimavam em ficar nas alturas e não viam que precisavam descer. Triste, porque vi um Brasil sofrido, marcado por todo tipo de cicatrizes das mazelas sociais, esquecer sua dor e cair no samba. Triste, porque pretensas “estrelas” desmontaram os sonhos de crianças que precisavam sonhar; de adultos que procuravam um motivo para esquecerem a dureza da vida. Quanto à copa, não fiquei mesmo triste não. Falta de patriotismo? Não! Patriotismo em excesso. Amo demais o meu país e já tenho muita tristeza em ver esse “gigante adormecido” deixar suas crianças, seus idosos, sua gente, privados de tudo que lhes possa dar dignidade. Tenho motivos convincentes para estar triste. É só olhar em volta das periferias das cidades, dos lixões, debaixo dos viadutos, nos morros que abrigam barracos, nas ruas. Por todos esses lugares, vemos a miséria, filha da injustiça social, medrar. Mas os “astros” não vêem nada disso, caro leitor. Então, para ficar triste, não é preciso perder uma copa de mundo. Basta sair à rua. São crianças e idosos abandonados, sem pão e sem esperança; isso na minha cidade e na sua. São pais desempregados que choram ao ver seus filhos chorarem de fome; isso aqui na minha cidade e na sua. São doentes que procuram nos postos de saúde e hospitais públicos um bálsamo para a sua dor e lá encontram descaso e falta de solidariedade humana; isso no meu município e no seu. São professores e alunos, vítimas da falta de compromisso com a educação e com o ser humano; isso aqui e em todo o país. São trabalhadores e trabalhadoras rurais, esquecidos pelos órgãos públicos, numa luta contra as intempéries da natureza; isso no meu lugar e no seu. Então, leitor, por que ficar triste pelo simples fato de perder uma copa, se a sociedade em que se vive é só tristeza?

O sonho e a alegria do povo brasileiro não podem ficar à mercê do futebol para endeusar atletas que, ao se sentirem “estrelas” fazem dos estádios onde pisam a sua Via-Láctea! E lá, distantes,não vêem que o povo brasileiro quer camuflar sua dor, sua tristeza, enquanto eles querem brilhar e ganhar mais dólares... Mas a luz brilhante da fama é coberta pelo eclipse da indiferença e falta de gana.Tudo fica turvo e a bola entra na rede; onze estrelas caem no estádio de Frankfurt.