A dor do mundo, a dor necessária

A devastação ecológica contínua, com o corte e queima indiscriminada da Floresta Amazônica, cada vez mais violada pelas plantações de soja e outras monoculturas; o crescimento industrial da China e a conseqüente poluição química dos ares, rios e mares, lá e mundo afora; assim como o derretimento das geleiras polares e dos altos cumes – são indícios inequívocos do quanto o planeta sofre com a ação do homem e com a insensibilidade dos governos – que conta com a omissão geral. Esse emblema global é responsável pelo que se chama “dor do mundo” – afinal o nosso planeta é vivo e nós fazemos parte dele – se sofre, sofremos junto.

Joanna Macy e Molly Young Brown retratam esta questão no livro “Nossa Vida como Gaia”.

O perigos que a vida na terra enfrenta são tão grandes e inéditos, que mal podemos acreditar que existiam. Os sinais de perigo estão em todas as partes e deveriam chamar nossa atenção, esquentar o sangue e unir-nos para a ação coletiva, mas tende a causar o efeito oposto. “Fazem com que queiramos fechar a persiana e ocupar-nos com outras coisas” – mergulhados que estamos apenas no interesse por distração imediata, sustentando indústrias bilionárias.

Pouca gente se preocupa com as coisas realmente importantes. Quem quer saber se quando compramos roupas podemos estar levando pra casa produtos confeccionados em porões insalubres, em cortiços do Brás. Bom Retiro, Casa Verde, feitas por bolivianos ilegais, que trabalham para empresas de imigrantes coreanos, tercerizadas a estes por grandes magazines, higienicamente instalados nos shoppings. Não nos preocupamos também em votar conscientemente, escolhendo candidatos preocupados com os problemas reais do mundo; não damos importância aos aviso de que a química nos alimentos e o agrotóxicos nas verduras e frutas podem causar câncer. Não damos importância quando vemos na TV geleiras rompendo e largando-se do Pólo Norte, ou quando nos avisam: A água vai acabar.

Parece que há uma alienação, um niilismo permeando tudo. Teremos deixado de nos preocupar com o que acontece com a terra? Pode parecer que há uma apatia dominante. Esta palavra tem origem - Apatheia é uma palavra grega que significa, literalmente, “não sofrimento”. Dada sua etimologia, apatia é a incapacidade ou a recusa a sentir dor. Qual é a dor que escamoteamos e não poderíamos faze-lo neste planeta e época?

A resposta é esta: É a dor do mundo. É “sofrer com”. “É a dor que sentimos em nome do todo maior de que somos parte, assim como ninguém pode existir sozinho ou ser auto-suficiente no espaço vazio”.

- Nossa cultura nos condiciona a ver a dor como algo errôneo. Temos remédios para dor de cabeça, dor nas costas, nevralgia e tensão pré-menstrual – mas não há comprimidos, cápsulas ou pastilhas, contra a dor que sentimos pelo mundo. Nem uma boa dose de bebida resolve.

Permitirmo-nos sentir angústia pelo mundo, não é só doloroso como assustador, parece ameaçar nossa capacidade de lidar com o cotidiano, mas é essa a dor que nos conscientiza e nos humaniza de novo, é ela que vai bater e abrir a porta dos corações e mentes e fazer parar a máquina da destruição de nós mesmos

...........

Texto alinhavado por Célio Pires sobre idéias e textos de Joanna Macy e Molly Young Brown, do livro “Nossa Vida como Gaia”, na melhores livrarias. Recomendado.