Teoria da Inspiração

Toda vez que me determino a escrever com disciplina me bate um cansaço intransigente que me obriga a adiar. Fico pensando em todos os escritores capazes de escrever textos completos, bem amarrados e inteligentes que parecem estar prontos em pouco tempo.

Nada disso acontece comigo. Escrever é a única coisa que me traz prazer e senso de realização, mas admito que todo meu ser boicota minha decisão de autocontrole e urgência. Fico pensando em tudo o que me inspirou em algum ponto da vida e que, de alguma forma sombria, ainda não foi esgotado em verso. Aí é terrível porque quero falar tudo, criar histórias incríveis, inventar palavras e poemas, mas a TV ligada acaba por me vencer.

É sempre assim. Fico de pé diante da minha modesta biblioteca adaptada no quarto de dormir tentando relembrar o conteúdo dos livros. Existe um que me deprime e excita porque é simplesmente genial. Me deprime porque penso que meu texto é medíocre quando comparado ao dele e me excita por conta da genialidade incontestável da obra. Estou falando de Dom Quixote de La Mancha e de Cervantes.

Sou uma brasileira completamente apaixonada por minha herança latina. As cores intensas exageradas pelo excesso de sol quente me fascinam. Dom Quixote e Sancho despertam em mim uma vontade agoniante de sair de férias pelo deserto. Eu e minha imaginação insana montada em algum pobre cavalo a explorar um terreno árido qualquer. É contagiante.

Já no limite da angústia levanto e vou passear na locadora de DVD atrás da minha casa. Acabo assistindo aos mesmos filmes de sempre como a vida da pintora Frida Kahlo contada pela belíssima Salma Hayek. Não preciso nem dizer que isso me inspira imensamente. E lá está ela, Frida, mal amada, traída, cheia de dores pelo corpo, com os movimentos limitados e criando belamente. E cá estou eu, com o corpo inteiro, saúde perfeita, amores complicados (mas quem não os tem?), e uma preguiça vergonhosa de fazer mais por mim mesma.

É enervante. Mas como estou motivada a voltar a escrever, revejo todos os filmes de Pedro Almodovar, a divindade suprema do universo artístico. Ai meu deus, será que algum dia seremos amigos? Já imaginou? Almodovar e eu passeando juntos por La Mancha e falando bem da vida? Isso é sinal que minha capacidade de devaneios está retornando, o que é essencial para o exercício da escrita.

Depois de assistir a todos os filmes que amo, compreendo que está na hora de colocar mãos à obra literária. Não à de Cervantes, mas à minha mesma. Uma pessoa torna-se escritor porque assim o determina. Escreve, escreve, escreve e diz: Pois bem, sou escritor. Mas até este ato Napoleônico de auto coroação exige esforços. E alguém diz: -Então é escritor? E escreve o quê?

E é só para responder a esta singela pergunta que nos empenhamos novamente e colocamos para fora todas as contradições que carregamos por dentro de forma ilimitada e cambaleante.