132 - O CAVALEIRO...ANDANTE.

Coisas da minha terra.


Data e hora, como se houvesse uma obrigação a cumprir, ele saia de casa. Lembro-me bem ainda daquela figura apressada, quase sempre nos mesmos horários, como alguém que tendo uma tarefa delegada pelos céus dela fazia o sacro ritual. E lá estava ele a desfilar sua triste imagem alta e magra pelas ruas de Itabira. Ia a passos largos como se estivesse medindo a distância a percorrer.
 
Ao sair pelos portais do seu castelo olhava à esquerda e para o alto, mirando o palácio da rainha protetora da boa saúde. Ele se benzia e fazia uma ligeira reverência tocando a máscara que havia na imaginação. E se benzia dos pés à cabeça. Depois olhava para direita e, esticando seu magro braço, apontava-o em riste como se estivesse apontando uma lança e definia por onde seguiria cavalgando. Só lhe faltava para completar sua indumentária, armadura, espada, lança e escudo. Quem sabe, somente ele se reconhecia, como se os estivesse trajando constantemente nas suas andanças.

Nem mesmo o valoroso cavalo Rocinante e o gordo e inseparável amigo Sancho caminhavam consigo. Ele os deixara de lado, pois, viviam querendo demovê-lo da ideia de lutar contra os fantasmas que povoavam sua mente. Onde ele via monstros que se ocultavam sobre as mais distintas formas de moinhos de vento, quiçá, eram escavadeiras/dragões que viviam comendo as montanhas de minas e rodeadas por tratores/cupins gigantes e outras máquinas que faziam o ritual satânico dos monstros comedores de paisagens. Os devoradores das matas e das águas, ele precisava derrotar, antes que a enorme serpente de ferro abastecida pelos celeiros reais engolisse e transportasse morro abaixo, até o nível do mar, toda matéria que havia no reino da sua Itabira do Mato-Dentro. A serpente regurgitaria o ouro e outros produtos que comera dentro dos monstros metálicos que navegariam para Além Mar.

Quem sabe ele, no afã de percorrer os tortuosos caminhos e ladeiras da Rua Santana e Penha, buscava encontrar sua amada a bela... Dulcinéia da Rua Santa Maria. Ninguém sabe ou se lembra se o misterioso cavaleiro recebera seu título de “protetor” das mãos do gordo Cardeal que nas suas vistosas e ricas vestimentas, visitava estas terras. Naquelas horas o Cardeal batizava com água, óleo e sal os súditos do reino que, dependendo das origens e escudadas pelo brasão imperial, seriam reconhecidos dentro da tradição, família e propriedade. E mais tarde quando tivessem altura e porte real, tornar-se-iam menestréis, cavaleiros, ou bruxos que subiriam ou não as colinas de ferro, para o embate do dia a dia nas batalhas inglórias contra o dragão da maldade que seguia devastando todo o reino.

Da sua infância nada sei até onde consigo lembra-me, parece que já nascera homem feito, também não sei quando sumiu de Itabira. Acho que ele virou paisagem.
Itabira-05/02/2010
CLAUDIONOR PINHEIRO
Enviado por CLAUDIONOR PINHEIRO em 07/02/2010
Reeditado em 28/11/2017
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