164 - CHEIRO DE ALECRIM NO AR...

164 – CHEIRO DE ALECRIM NO AR...

Falando de saudades, aromas e mandingas.

[Claudionor]

É meu amigo, você falou em primeiro de maio “Dia do Trabalhador”. A imagem a aflorar em minhas lembranças é a do meu pai, o melhor exemplo de trabalhador, que eu consigo me lembrar. Acho que para todos nós, esse é o exemplo maior, o pai.

Desde o tempo de menino na época em que morávamos nas casas nos diversos acampamentos das empresas onde meu pai trabalhou um dia... “Quando ele chegava lá em casa seu olhar cansado e roupa toda suja de barro e botinas enlameadas do barro vermelho da obra ou da mineração”.

[Antônio Cassemiro]

Falar em casa, a nossa também, como as demais, lá da Vila, era um barraco com telhado de capim, paredes de barro, piso de argila. Tudo de bom... naquela época.

[Claudionor]

Tudo bem, mas, de repente esta data trouxe-me lembranças de um tempo da minha infância que agora... Só saudade. Pequenos flashes veem como cenas um filme antigo. Eu, meu irmão e amigos vizinhos, corríamos pelos campos em brincadeiras as mais diversas.

Lembro-me bem que numa dessas brincadeiras quando moramos em local denominado Barra do Prata, na cidade de Nova Era, botamos fogo no mato, quase incendiamos o acampamento todinho pela proximidade das casas.

Nem preciso falar da surra, mesmo que eles soubessem que não fomos eu e meu irmão, mas,... Já que estávamos juntos.

- Interessante é que tínhamos que estar sempre ao alcance do grito de nossa mãe que, embora soubesse que havia perigo, não nos proibia de sair para brincadeiras com os amigos. Sozinhos, de jeito nenhum.

[Antônio Cassemiro]

Lá na Vila Coração de Jesus, um dos locais de nossa preferência era um planalto grande, desabitado, servia de pastagem para cavalos, éguas, mulas, mas, havia riscos, pois uma série de minas abandonadas abrigava cobras, jaguatiricas, coelhos e lobos também, habitavam aquelas áreas. Pássaros canoros também havia em alegres bandos.

[Claudionor]

Algumas coisas eram proibidas, entrar nas minas abandonadas, nadar na lagoa da Fazenda do Pontal na lagoinha e na lagoa grande, que havia no caminho em direção à mina do Cauê. Nunca brincar no cemitério dos Ingleses. Se nossos pais ficassem sabendo de travessuras naqueles locais, com certeza a surra nos faria lembrar os avisos.

Mês de maio, mês de Maria mãe de Jesus. Maio traz à minha memória muitas lembranças, as novenas as quermesses, as festas e procissões.

No mês de maio também... Época de apanhar gabirobas que davam fora de época. Já araçás e pitangas eram de tempo.

A proximidade do dia das mães me faz lembrar minha mãe, sempre com um pano na cabeça, um avental que usava constantemente para lavar roupa na bica d’água, das muitas fontes que existiam na mina e quando estava a cozinhar naquele imenso e branco fogão de lenha que havia nas casas.

Como era bom ver aquela cena... O fogão à lenha sempre pintado de barro branco que nós buscávamos lá perto do final da vila, bem próximo do acampamento. E minha mãe passava no fogão à lenha pelo menos duas vezes por semana... Fogão que nunca estava apagado. Sempre havia um mocotó ou suã de boi, inhame ou batata doce a cozinhar nas enormes panelas de ferro sempre areadas com areia fina e cinzas que ficava em uma lata num canto da cozinha. Havia também, aquele cheiro bom de comida no ar.

[Antônio Cassemiro]

Impressionante essa associação de cheiros no ar, já me faz lembrar na minha infância. Às sextas feiras, saíamos para os campos em direção ao Santana, um planalto entre o final do acampamento de capim e a mineração do Fraga. Íamos para lá recolher ramos de alecrim para fazer vassouras. Varredura feita cuidadosamente, as vassouras de alecrim deixavam um perfume diferenciado no barraco. Deixar a vassoura dentro de casa também aumentava o aroma de alecrim, que por sua vez diminuía o forte cheiro de querosene das lamparinas usadas para iluminar nossas noites.

Lembro-me que um destes locais em brincávamos era um descampado, perigoso pela cilada das minas verticais. Parece-me que eram suspiros das escavações subterrâneas de ouro. De vez em quando caiam animais, que posteriormente eram sacrificados por terem as patas quebradas e sem recursos para recuperação.

Também me lembro de dois rapazes gêmeos, que moravam e trabalhavam na Mineração do Fraga. Um deles se casou com a Consolação, irmã de José das Mercês. Certa vez, um deles desapareceu. Na procura foi encontrado dentro de uma mina, sendo recuperado com pequenas escoriações.

Voltando ao alecrim, na minha infância, tinha este procedimento de varredura às sextas feiras associado à eliminação de maus agouros, mau olhado, coisas deste gênero.

Mais que cheiro de alecrim no ar evocando lembranças da minha mãe, da infância e juventude, especialmente neste mês de maio, os sentimentos e recordações fazem um turbilhão na minha cabeça e de repente, me dou conta, que é o primeiro ano do resto de nossas vidas, que não teremos mais sua doce presença entre nós.

[Claudionor]

Será uma fase de difícil adaptação!!! A ausência de um ente querido modifica nossa maneira de olhar o mundo para sempre.

Quanto às benzeções, eu me lembro perfeitamente que se usava ramos de alecrim, arruda, guiné e outras plantas chamadas “boas”.

[Antônio Cassemiro]

Ah! Também, tinha um senhor adivinho pros lados da praia, que receitava garrafadas, simpatias, etc. que recomendava o procedimento de varrição com o alecrim.

Você deve se lembrar de alguma coisa a respeito.

[Claudionor]

Sim, lembro-me perfeitamente! Ele recomendava varrer a casa dos cômodos do fundo para a porta da frente, nunca ao contrário.

O adivinhão e benzedor lá da Praia, fez fama por estes lados das Minas Gerais... Vinha caravana de fora para as suas consultas.

Por falar em pessoas com dons especiais, Antônio, você se lembra do “Nossa amizade” lá da Vila Sagrado Coração de Jesus? Este senhor, sim, era benzedor de picada de cobra, aranha, escorpião e outros bichos. Tinha fama de benzedor de animais, que se ofendidos, ele os benzia mesmo sem ir ao encontro dos mesmos. Bastava saber que onde quer que o animal se encontrasse, fosse lugar onde batesse sol, oração feita, problema resolvido. (ver crônica 87- O BENZEDOR).

Bem amigo, vamos encerrando esse papo por aqui, até outra oportunidade.

Saudações Itabiranas.

Forte abraço a sua esposa e filhos.

PS. Tem amigos nossos aqui da terrinha, que estão postando seus escritos no Recanto das Letras: Celina Figueiredo, Agnaldo, filho do Salvador (HAROCK), Mercês (Zé das Mercês) Toninhobira, filho do Sr. Joaquim dos Reis e Dona Ester, José Cláudio Adão, filho do José Felipe, Angela Duarte e a minha filha Alessandra Rosa, o pessoal é fera, vale muito a pena ler seus escritos.

Itabira-MG, 02 de maio de 2010.

CLAUDIONOR PINHEIRO
Enviado por CLAUDIONOR PINHEIRO em 21/05/2010
Reeditado em 22/05/2010
Código do texto: T2271484