O MODO DE VIDA DOS PRÓXIMOS ANOS

O MODO DE VIDA DOS PRÓXIMOS ANOS

por Paulo S. M. Carneiro.

Dizem que quem estuda o futuro é “futurólogo”. Como se fosse permitido a alguém saber o futuro. Duvido que há 30 anos atrás alguém pudesse prever o mundo de hoje. Há 30 anos atrás, o que se esperava do ano 2000 era uma evolução sem precedentes. Máquinas de voar (individuais), comida sintética em forma de pastilhas, cura da maioria das doenças, robôs domésticos, relógios de pulso com telefone e vídeo incorporado e toda uma parafernália eletrônica. É claro que tudo isso estaria acessível à população, que seria mais sadia, mais culta, mais organizada. Infelizmente os futurólogos erraram. E erraram por muito.

As doenças do início do século XX, por incrível que pareça, ainda resistem aos novos tempos. Será que elas não se dão conta de que já deveriam ter desaparecido e dado lugar a um organismo humano mais sadio? Como se isso tudo não bastasse, outras novas surgiram. Tudo isso porque a população não para de crescer, para desespero dos governantes, aumentando a demanda por novos microorganismos, novos vírus, novos males. Só não surgem novos Oswaldo Cruzes e nem há chance de que isso ocorra: o conhecimento foi tão bem divididinho entre os cientistas, que hoje é quase impossível que algum cientista de plantão saiba alguma coisa além da sua especialidade. Os calvos continuam perdendo cabelos e acreditando em tônicos milagrosos. Apesar da pílula, as mulheres continuam engravidando “sem querer” e confiando na velha e boa lua, que tudo sabe de marés e safras, inclusive das safras humanas.

A moderna tecnologia agro-industrial, que permite ao homem desenvolver sementes mais resistentes às pragas, gerando alimentos mais ricos em vitaminas, e em maior quantidade por espaço físico, não está assegurando o fim da fome humana e nem menores preços. A ancestral avareza humana não permite que o excesso acumulado por uns poucos possa ser distribuído em proveito de uns muitos – e cada dia esses muitos são em maior número. Os laranjais estão carregados de frutas podres, pois custa caro colher do pé sem ter a quem vender. As grandes empresas processadoras não admitem que os alimentos custem mais baratos. Aquela frutinha que a mãe da gente chamava de laranja, é por eles chamada de “commodity”. O nome é estranho, mas o sabor é o mesmo. Perde, pois, quem plantou, perde quem estaria ganhando para colher e perdemos todos, pois poderíamos beber muito mais suco de laranja do que bebemos hoje. Quem sabe, com o preço mais em conta, a gente nem fizesse conta que estaria consumindo vitamina natural, melhorando um pouco a raça. Talvez, com um plantel mais sadio, nossa gente conseguisse pensar um pouquinho melhor e inventasse o próximo computador ou o próximo windows, antes dos americanos, estes sim um povo sadio e inteligente!

Os veículos não voam. Continuam circulando pelo leito carroçável (carroças?). Ou melhor, deveriam circular. Mas são tantos, que nem cabem em nossas ruas. Não circulam. Param! Vielas tranqüilas há muito viraram ruas de intenso fluxo. Até os rios que cortavam a cidade e escoavam as águas das chuvas viraram ruas, batizadas agora com o sublime nome de avenidas. E as avenidas passaram a escoar as águas das chuvas, pois ninguém ainda conseguiu ensinar a chuva a ir chover noutro lugar, deixando todo mundo assustado dentro dos carros quando ela (a chuva) começa a cair, fazendo com que ela (a avenida), despenque dentro do velho e caudaloso rio que, com maior massa, passa alegre e veloz sob elas (a avenida e a chuva).

Juro que não queria falar da organização social. Afinal, com tanta gente faminta e ignorante, como dizer de uma forma bem simples, que elas são responsáveis por se organizar e exigir o cumprimento das leis que foram inteligentemente criadas? Como dizer a elas que a compra de remédios deve ser boicotada sempre que perceberem aumentos abusivos? A pressão alta, a arritmia, a epilepsia devem ser momentaneamente esquecidas, enquanto durar o boicote. O mesmo vale para mensalidades escolares, transportes e convênios médicos, para ficar só no caso de serviços não-essenciais. São tão pouco essenciais que o estado não tem a mínima obrigação de suprir. Apenas cobra uma pequena taxa simbólica, só para democraticamente dar uma opção a mais para quem é intransigente e não concorda com os excelentes serviços prestados pelas empresas, organizadas em associações, sindicatos, federações. Estas sim são modelos de organização.

Voltando ao caso do cumprimento das leis, que a população insiste em desobedecer. Por exemplo, um gênio criativo teve a feliz idéia de limitar o trânsito de veículos, resolvendo, em um único decreto, o problema da superpopulação... de veículos! Só esqueceu-se de colocar em um mesmo local a escola dos filhos, o trabalho do marido e da mulher, o supermercado e os bancos (ah os bancos, – essa grande invenção humana!). Como convencer as pessoas que elas têm de usar o transporte coletivo, que funciona sempre no horário, é barato, confortável, serve a todos os bairros e é imune às greves? As pessoas não deveriam se sacrificar para adquirir um segundo carro, burlando criminosamente o rodízio: o municipal e - pasmem - já dizem em estadual. (Pelo que me consta o Planalto Central ainda não instituiu o rodízio federal, mas, psiu!!! Fala baixo!).

Quanto aos serviços públicos, tenho uma teoria que muito tem escandalizado as poucas pessoas para quem tive a coragem de descrever. Parto dos seguintes axiomas: primeiro, o nível médio de inteligência tem caído ano a ano na população. Segundo, a máquina estatal está cada vez mais inchada. Terceiro, o estado está pagando uma miséria de salário. Conclusão: lembra daquela turma do fundão da classe? Aquela que não estudava e bolava mil maneiras de passar colando? Aquela que resolvia tudo no braço e tinha bico-doce quando precisava “dar um aplique”? Pois bem, essa mesma turma de espertalhões, está ocupando a administração pública. Pense comigo: você conhece algum engenheiro que se submeteria a ganhar os caraminguás que paga o estado? Qual engenheiro aceitaria um emprego no governo: o bom ou o ruim? O mesmo vale para médicos, professores, arquitetos, advogados (que quando são mais espertos chegam até ao posto de juiz, de ministro...). Talvez dois tipos de gente aceitariam: os espertalhões e os idealistas. Os idealistas não contam. Já atingiram o ideal da raça humana. Nos cargos subalternos, o conceito se aplica para policiais militares (“otoridades”), estafetas, aspones, e auxiliares-de-qualquer-coisa. Não é de admirar que tenhamos uma administração medíocre e corrupção crescente. Ou alguém consegue encontrar sinais de vida inteligente na cachola de quem “planta” um quebra-molas? Ao invés de aplicar o rigor da lei para quem ultrapassa a velocidade autorizada, coloca-se um “montinho” de asfalto ou concreto. Assim, se o sujeito infringir a lei, poderá se esborrachar no primeiro poste ou fazer uma lambança no ponto de ônibus mais próximo. Há vida inteligente na cabeça do Secretário da Segurança que, conhecendo a lei, permite que arruaceiros invadam prédios, fazendas, queimem ônibus, desacatem, e cometam crimes previstos em lei, diante das suas barbas (barbas?)? Ou haverá vida inteligente sob o quepe do guardinha espertamente escondido atrás da moita com o caderninho de multas na mão? O que será que faz atrás da moita? (Talvez algum psicólogo me dê a resposta. Mande-me por e-mail para www.atrásdamoita.sem.caráter).

Realmente, os futurólogos erraram feio as suas previsões para os anos 2000. Alguém se arrisca a um palpite para 2030? Vamos lá, são só 30 anos! Pense para trás: há 30 anos atrás estávamos em 1970, lembra? (“noventa milhões em ação, prá frente Brasil, do meu coração!”). Mil Novecentos e Setenta não está tão longe. Dois Mil e Trinta também não! É só arriscar, afinal, ninguém será cobrado mesmo! Alguém já foi preso por errar previsões? Lembra daquela turminha de religiosos fanáticos que anunciava o fim do mundo em 2000? Como se o planeta Terra, já com alguns bilhões de anos no lombo, fosse se preocupar em arder nas chamas, que sua própria atmosfera alimenta ou se afogar nas águas de suas próprias entranhas, só porque completou 2000 voltinhas em torno da sua estrela preferida, desde que o Filho do Criador andou por aqui? E pensar que essa incorreta medida do tempo só vale para a menor parte da humanidade e é desprezada por judeus, chineses, japoneses, árabes e alguns outros povinhos “menos” expressivos!

Ninguém arrisca um palpite? Pois eu arrisco: haverá uma grande maioria pobre e uma minoria rica. Haverá uma pequena parcela da população inteligente e superdotada. Haverá também uma pequena parcela dessa mesma população, completamente estúpida e idiota, incapaz de ler este texto todo e compreendê-lo. Haverá uma grande massa de pessoas entre estes dois extremos, com tendência a uma maior aglomeração no ponto central, provando que Gauss é quem entendia de população quando inventou a curva do sino.

Os automóveis serão menos poluentes na forma de gases, mas continuarão a ser roubados, pois o sonho de toda criança é ter o seu jipinho, o seu tratorzinho e o seu autorama. Eles diminuirão cada vez mais de tamanho, pois é mais difícil que ruas e avenidas sejam produzidas em massa, devido à escassez de matéria prima horizontal e à dificuldade de afastar casas e prédios sem espremerem as ruas de trás.

O alimento continuará sendo escasso para que o preço seja mantido em sua curva ascendente. Mas uma coisa eu consigo prever com exatidão: ninguém morrerá de fome enquanto tiver dinheiro no bolso. Talvez o bolso de todos nós seja substituído por um único e grande bolso: o do banqueiro internacional. Mas, bolso não é aquele troço que nasce em calças? Lembra quando as tínhamos? Como eram úteis os bolsos! (e as calças!).

As chuvas continuarão. A quantidade de matéria não se altera no Universo. Só se transforma. A água que está embaixo se aquece e vai para cima, juntando-se às outras águas aquecidas anteriormente. As que chegaram primeiro ficam zangadas com as “bonitinhas” que acabam de chegar e que querem ocupar seus lugares. Os ventos levam todas para cima onde é mais frio. Quem sabe se lá em cima elas se entendem? Mas nunca se entenderão. Brigam entre si. Sai até faísca. Algumas resolvem voltar para a Terra. E tome chuva! E tome enchente!

As únicas e poucas leis que sempre serão respeitadas serão estas: as leis da natureza. As do homem serão sempre quebradas, pois na mesma hora em que são feitas alguém as lê, não para cumpri-las, mas para encontrar as suas brechas. Os advogados criaram doutrinas confusas e opostas, exatamente para lucrar na confusão. O mesmo advogado que acusa o ladrão em um processo o defende em outro de igual natureza criminal. E, o que é pior, quando é bom, consegue ganhar em ambas as causas. Empate técnico! (e lá vai pratinha para o bolso do banqueiro). Quando é mau e perde, sempre perde aquele que está defendendo justo a nossa causa! (e lá vai a nossa pratinha para o bolso do banqueiro).

A saúde continuará bem, obrigado! Novos e modernos hospitais serão cada vez melhores e em maior número...mas, nos Estados Unidos! O Instituto do Coração continuará a tratar do coração, deixando a gente com o coração na mão cada vez que um dos seus cardiologistas resolver ser Ministro da Saúde e legislar sobre tributos, que é coisa de contador. Por que será que médico se mete em tanta coisa que não conhece, inclusive em corpo humano? Tem um que até governou a Bahia e se achou credenciado para governar o país.

Uma última profecia: dentro de 30 anos alguns de vocês, leitores, não estarão aqui para conferir minhas profecias. Eu certamente estarei, afinal, sou imortal, como são imortais aqueles que escrevem uns livros dos quais ninguém ouviu falar, nunca foram vistos em bancas de aeroportos, e nem eles se lembram direito das suas próprias estórias, dado ao avançado da idade, mesmo sendo senadores. Certamente alguns de vocês sobreviverão. Mas, se hoje estiverem na faixa dos 20 aos 40, estarão com idade entre os 50 e 70 correndo atrás do emprego, cada vez mais raro, ou, quando o tiverem, beijando a mão dos seus “chefetes” até que completem 80 anos, quando enfim poderão se aposentar (com um salário mínimo por mês). O leitor acha que estarão preocupados com as poucas notas escritas por este senhor idoso, então com 76 anos, notas estas escritas há exatos 30 anos, antes dele se mudar para uma praia deserta do nordeste brasileiro, que, felizmente, continuará pobre e seco, para a alegria dos coronéis e dos donos de construtoras do sul maravilha? Quem viver verá!!!

Viram, gente? Profecia não é para qualquer um. Mas como deve ser bom ser profeta. Poder adivinhar os males que nos esperam e usar a profecia a nosso favor. Evitaríamos as coisas ruins e prolongaríamos indefinidamente o prazer das coisas boas. Acertaríamos na loteria. Todos nós! Assim, cada um receberia o que apostou, após, é claro, deduzidos todos os impostos. Saberíamos onde encontrar a pessoa dos nossos sonhos e preveríamos, com incrível antecedência e precisão, o momento em que nossos sonhos se transformariam em pesadelos. Acordaríamos antes, com a ilusão de que a vida nada mais é que sonhos. E como é bom sonhar! Daí não ter graça alguma em ter o dom da futurologia. Não haveria sonhos, só certezas. E, de certeza em certeza, a raça humana não sobreviveria, pois se o poeta afirma que os sonhos não envelhecem, nossas certezas também não nos rejuvenescem. Com certeza!

Paulo Sergio Medeiros Carneiro
Enviado por Paulo Sergio Medeiros Carneiro em 20/09/2006
Código do texto: T244707
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