Paixão inconclusa


     Título mais estranho, né?
     Mas não encontrei outro melhor. Ou, melhor dizendo, só encontrei este. Aliás, não fui eu quem o inventou. Roubei-o de páginas que andei lendo sobre a vida amorosa de um dos nossos mais queridos poetas.
     Adotá-lo, e sem maiores delongas, o leitor verá logo mais.
     Para Amélia, por causa de uma paixão inconclusa, o poeta escreveu, no século passado, sonetos que, pela sua doçura, ainda hoje alimentam corações enamorados, tornando-os cada vez mais românticos.
     Em noites de céu escuro, vejo-o em cada estrela que meus fatigados olhos ainda conseguem alcançar. Mais do que qualquer outro vate ele as amou, e em lindos versos as cantou. Até admitiu tê-las ouvido!
     Os leitores já descobriram que o poeta é Olavo Bilac. Mas não se preocupem, pois, desta vez lhes não falarei do Bilac amante das estrelinhas. Até porque, sua paixão por elas, pelo que me dizem os livros, não foi uma paixão inconclusa. Foi uma paixão definida, concreta, realizada.
     Nada o impediu de namorá-las abertamente. Amou-as intensamente, pouco importando sua condição de emérito boêmio, frequentador assíduo das noites cariocas, nos tempos áureos da Rua do Ouvidor e adjacências.
     Sim, porque foi a sua fama de boêmio que teria determinado seu afastamento de Amélia Oliveira, seu grande - não sei se o único - amor; que, como ele, também fazia versos.
     Bilac alimentou por ela, a vida toda, o que os seus biógrafos chamam de uma "paixão inconclusa", posto que, apesar de se quererem ardentemente, nunca se casaram. 
     E até poderia garantir que, prisioneiros dos rígidos costumes da época em que viveram, nunca, num leito comum, estiveram participando do banquete do amor...
     Mas, de dois poetas, um apaixonado pelo outro, e atingidos por uma "paixão inconclusa", só se podia esperar a troca de versos repletos de ternura e saudade...
     Há sonetos maravilhosos de Amélia para Bilac e deste para sua amada.
     J.G. de Araujo Jorge, em crônica de novembro de 1968, frisou que Bilac foi "um poeta que fez de seu caso sentimental, a paixão inconclusa por Amélia de Oliveira, o tema central de sua poesia". 
     Separando-os, entretanto, surgiu José Mariano, irmão de Amélia. "Não quero - afirmava ele - que as minhas irmãs se casem com jornalistas ou poetas, pois todos são boêmios incorrigíveis".
     Como se um boêmio, um poeta e um jornalista não pudessem construir um casamento sólido e feliz. 
     Ora, conheci boêmios que viveram entre o copo e a mulher querida, devotando-lhe amor sincero, e imersos numa felicidade de fazer inveja. 
     Bilac, porque poeta e boêmio, tiraram-lhe o direito de ter Amélia... E ela, angustiada, desabafa, neste soneto:
     
     "Noite fechada! O espaço inteiramente/ É trevas. Que tristeza encerra esta hora/ Em que tudo é silêncio e a alma que chora/ Abafa as vozes do sofrer latente.
     Mas um canto vibrou, longe, plangente.../ Quem é que a solidão perturba agora? / Oh! quem se atreve pela noite afora/ Um grito desferir, lugubremente?
     É, porventura, uma alma forasteira,/ Que vagueia, sozinha na espessura/ Da noite, provocando  a companheira?
     Não...Talvez seja a gargalhada insana/ De alguma ave de agouro que procura/ Escarnecer da dor da vida humana."

     Findo o noivado, o poeta resistia em reencontrar a amada.
     E a um amigo, ponderou: "Que diabo de graça tem agora nós nos encontrarmos? Que diabo vamos dizer um ao outro. Estou velho, neste estado; ela é hoje uma verdadeira matrona. Eu morreria de ridículo."
     Mas ao encontrá-la, dez anos depois do seu noivado ter ido pro espaço, a emoção que sentiu, Bilac deixou neste soneto:
     
     "Depois de tantos anos, frente a frente,/ um encontro... O fantasma do meu sonho!/ E, de cabelos brancos, mudamente,/ quedamos frios, num olhar tristonho.
     Velhos!... Mas, quando, ansioso, de repente,/ nas suas mãos as minhas palmas ponho,/ ressurge a nossa primavera ardente,/ na terra em bênçãos, sob um sol risonho,
     - Felizes, num prestígio, estremecemos;/ deliramos, na luz que nos invade/ nos redivivos êxtases supremos;
     e fugimos, volvendo à mocidade,/ aureolados dos beijos que tivemos/ no milagre divino da saudade."

     Dezembro de 1918:morre Bilac, tendo Amélia ao seu lado. É enterrado no cemitério São João Batista. Seu túmulo recebeu rosas vermelhas até 5 de março de 1945,quando Amélia se foi, aos 80 anos. 
     Viveu seus último anos ouvindo Mozart, e, disse-o Agrippino Grieco, "confinada na sombra, viúva de uma quimera da adolescência, noiva que fora, noiva efêmera, de Olavo Bilac".
     Morreram solteirões. Mas Amélia preservou a memória do amado usando, na mão esquerda, um anel com as iniciais O.B.  e a data do seu noivado. 
     Escondida no decote de sua blusa, carregou um medalhão com o retrato do poeta. 
     E, lembra Fernando Jorge, in A vida e a poesia de Olavo Bilac: logo que o poeta "fechou os olhos, Amélia de Oliveira confeccionou uma pequenina almofada. E encheu, este mimo, com seus negros cabelos de moça. Aí, nesta delicada almofada, o poeta morto repousou a sua cabeça". 

     Fica, pois, a advertência: às vezes, a interferência de um parente pode mudar o destino de um casal de namorados, obrigando a que cada um tome rumos diferentes, distanciando-os dos seus mais verdadeiros e desejados sonhos...
     E nem todo mundo nasce poeta, pronto para mitigar, em belas rimas, a dor de uma paixão...inconclusa.     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 16/09/2010
Reeditado em 29/10/2020
Código do texto: T2501096
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