INSPIRAÇÃO
INSPIRAÇÃO
Conceber um texto sem a ajuda da inspiração é um estuprar da palavra.
Temos o direito, sim, de registrar uma inspiração, sem que se faça necessário pedir licença à Poesia, mas ficamos comprometidos com o duro trabalho de revisão, polimento e lapidação do texto, para apresentá-lo ao mundo sem decepcionar a Poesia.
Indispensável se faz que em algum momento da criação, a inspiração se faça presente.
Precisamos educar-nos para o registro de pensamentos no papel, até que atinjam status de serem apresentados à referida dama.
A inspiração está para a poesia como a chuva para o rio; o véu para a noiva; a flor para o jardim.
Maltrata a Poesia quem transpira versos sem alma.
A Poesia é uma dama vaidosa que não recebe qualquer um em seus aposentos.
Também não será vista em público acompanhada de suados versejadores, gritadores de impositivas e desalmadas rimas. Porém poderá aparecer de braços dados, descalça e nua, com costumeiros bêbados, sempre desprovidos de relógios e metas.
Poderá também habitar flores à espera de mãos que a colham e proporcione o encontro com mulheres sãs e salvas de rotinas verbais.
Alguns Homens alcançam o raro Estado de Poesia.
Permitem que suas mãos encontrem anônimos papeis, em locais insalubres e se completem em atos de amor em nome da Poesia.
Desses férteis encontros nascem, certas vezes, textos que serão educados pelas insônias do poeta, para tornarem-se familiares à Poesia.
O poeta sabe a cor do vento, o som da contemplação filosófica dos seres e a presença de precipícios ao se lançarem aos poéticos voos.
Poucos são os poetas que entram pela porta dos fundos no palácio da Poesia. Raros são os que recebem a Poesia por qualquer porta, sem necessidade de anúncio.
Pés descalços, sujos de lama, nua, sorridente e flutuante, entra pela porta dos fundos da casa de Manoel de Barros. Entregam-se a amores incompreensíveis pelo ser comum. Grávidos de novos dizeres adormecem até o próximo prêmio.
Fico a pensar! De que são feitos esses amantes tão comprometidos e livres que lançam seus filhos no mundo para embalos e carícias de estranhos admiradores?
Sabem os filósofos, que a Poesia tem seus fieis companheiros e, quando a Dama visita Manoel de Barros, já passou por Drummond e Quintana e que, com eles, confidenciou momentos vividos com Pessoa e Leminski.
Não por inveja. Não por ciúme, mas por puro desejo, me propus incontáveis vezes a um diálogo com a Poesia. Consciente da paixão sincera, desejei sua nudez. Compreendi em seus gestos uma centelha de probabilidades. Um flerte.
No primeiro encontro tirou o tênis. Encantou-me ver a Poesia descalça a cobrar-me atitudes mais desapegadas.
Para dar continuidade em seu Streep tease, pediu-me para dizer mais com menos palavras. Pintar o belo com cores imaginárias. Fazer amor com palavras virgens. Permitir o voo dos versos des/tatuados de mim. Ao final, pediu-me como condição indiscutível: despir-me do desejo de atenção e reconhecimento.
Desde então, tenho perambulado pelos becos de mim a procura de essências que permitam novamente sentir o sopro da dançarina em sua promessa de nudez.
Texto concebido por Darci Cunha no dia 05/09/10, em Pelotas, no Galpão Nativo, ao som do Mano Júnior ao vivo.