O universo não se preocupa com detalhes (ou, eu na cidade ébria 2)

Quando me deito

o mundo já descansa

tudo se acalma

só a TV aclara lá fora

numa janela

como uma lua interna

brilha sua falsa luz intensa

e acalma alguma insônia

contando história

ladainha

alguma mentira

um filme antigo

uma oferta tardia

Quando acordo

o dia vai claro

o mundo já anda sem mim

o novo se instala

tudo se improvisa

o semáforo não funciona

a cidade enguiça

a buzina governa

nada anda

só o rio e suas pet’s vazias rolam

sem pressa

com sua água lamacenta

de merda e química

de uma cidade ébria

Quando me toco

já não sou eu

e na engrenagem me ajeito

e buzino junto

xingo

esbravejo

como se eu fosse resolver tudo

e o mundo

se importasse com meus nervos

à flor da pele

ou com questionamentos infantis que me faço:

pra onde irão todos

com seus ternos exatos?

e outros apertados no metrô reto

que não espera ninguém

nem apita na curva

afinal trem não tem dúvidas

ele quer ser exato

como um gato

preciso como a lua em suas fases.

Quando me ligo

me acalmo

tudo se aclara

é previso esperar no sinal vermelho

se não como

o rapaz ganhará seu pão

com seus malabares de fogo

que tudo seja

como tudo se dá

sem que eu decida nada

afinal o movimento de rotação não pede licença

só rodopia a terra

e não está nem aí com o fato

d’eu estar apertado

o carro saindo fumaça

e o ar escasso

o universo não se importa com detalhes

com o Himalaia

ou com as torres gêmeas

se de longe tudo se iguala

fica redondo e aprenta liso

independente do esforço que eu faça

pra chegar há tempo

ao compromisso

à missa

ou ao cinema

se escrevo isso ou se me calo.