Agimos por instinto ou juízo?

Ontem Mariana, minha filha de seis anos, quando estava acessando a internet de seu netbook, sem querer se enroscou com o fio de alimentação do aparelho e o fez cair da mesa. Quando eu ouvi o barulho fui até a sala e a peguei rapidamente recolhendo o computador e o pondo novamente em seu lugar. Assustada com minha presença, Mariana me disse: - Não aconteceu nada! O computador não quebrou!

Fiquei chateado com a ocorrência, mas não podia cobrar mais responsabilidade dela que tem apenas seis anos; restou-me “engolir” meu aborrecimento e buscar ter um diálogo com minha filha para que não haja mais episódios daquela natureza. Conversando com minha esposa, esta me disse que o que Mariana fez foi “puro instinto”, mas eu atribuo ao evento outra palavra: - juízo! Mas afinal de contas, o que é “instinto” e o que é “juízo”?

O INSTINTO para Darwin e Freud são ações, ou comportamentos, caracterizados por uma consumação estereotipada, uniformizada e pré-definida. Ambos acreditavam que os mecanismos que determinam a influência genética sobre os instintos são impossíveis de serem compreendidos na plenitude.

É fato e verdadeiramente explicado do ponto de vista psicanalítico que os instintos são mais comuns em seres animais; os que pertencem à classe humana que desenvolva algum tipo de instinto, mesmo não acolhendo muita base científica, requerem um cuidado especial do ponto de vista do distúrbio social. Quando falamos de instinto no reino animal presume-se quase que de imediato que se traduza apenas no ato de sobrevivência e defesa, mas os comportamentos instintivos dos animais vão muito alem de um simples ataque; se pode dizer que as fugas, construções de abrigos, acasalamento e até a busca por alimento, podem ser atos irrefletidos que podem ser rotulados como “instinto”.

Dizem que o tigre mata mesmo sem ter fome; que o João de Barro também constrói ninhos perfeitos mesmo sem ter filhos ou ainda que as lebres; copulam centenas de vezes por dia mesmo sem a necessidade de procriação da espécie. Todos os comportamentos descritos são de natureza instintiva, sem pensar; eles agem por agir ou porque suas naturezas e genes os impulsionam a tais atitudes.

Estudiosos afirmam que os atos instintivos são incitados por uma excitação chave e uma vez desencadeados não podem sofrer modificações por influencia alheia. O etólogo alemão K. Lorenz chegou a propor a diferenciação entre o instinto animal e o comportamento humano impulsivo, que ele chamou de “comportamento de apetência”. Para Lorenz o comportamento de apetência nada mais é do que o análogo distinguido do instinto ou o lado “B” de uma ação impensada e compulsiva.

Para chegar a esta conclusão Lorenz estudou o comportamento de vários animais; os animais domésticos, por mero exemplo, tende a agir excluindo muitas vezes o instinto, como nos casos onde cães protegem até a morte seus donos ou os gatos quando retornam para casa mesmo após meses de caminhada; ambos podiam e deviam agir de forma diferente, mas algo, inexplicavelmente os faz agir como se soubessem o que estão fazendo.

O comportamento de apetência, segundo Lorenz, pode ser influenciado pelo aprendizado, pelo ambiente e nos seres humanos pelos processos cognitivos, que no meu entendimento, nada mais é do que o “juízo”; faz com que o indivíduo consiga o discernimento para dominar a atenção, a percepção, memória, raciocínio, imaginação, pensamento, linguagem e sabedoria.

Mariana não agiu jamais por instinto; mesmo com seus seis anos, o ato de apanhar rapidamente o computador para pô-lo a mesa e simular uma situação de “nada ter havido”, pois mais pueril que possa ser, foi um ato pensado; não fosse isso, ela deixaria o computador no chão e até riria da queda, ou ainda, numa ocasião ainda mais impensada, provocaria inúmeras outras quedas de outros objetos diariamente.

Pessoas normais agem com cautela, seja para livrarem-se da responsabilidade do ato, seja para defenderem-se de modo mais alcantilado; uma pessoa que é surpreendida por ladrão, por exemplo, pode reagir de inúmeras formas; uma delas pode ser tentar dominar o desonesto imaginando num raio de segundo que ele pode se tornar seu algoz; outras podem ser submissas ao medo ou por acreditarem, também numa fração de segundo, que o embusteiro nada lhe fará, caso o obedeça. Ainda há uma terceira oportunidade; quando alguém é surpreendido e exerce a tática de eliminação, caso a detenha; nesta última citada, rara e incomum, alguém golpeia antes de qualquer reação do oponente, seja ele quem for; no intuito de eliminar qualquer chance de revide.

Mesmo sem tempo algum para imaginar a elaboração de uma estratégia, os seres humanos agem com puro juízo, porque são dotados categoricamente de pensamentos e inteligência. Ninguém pode imaginar que alguém em sã consciência esboce reações públicas caracterizadas por instinto, porque isso é inaceitável na condição humana.

Instintos são estruturas inatas de comportamento que conduzem a um determinado direcionamento da percepção; se é inato é porque não é natural; se há percepção é porque há claramente os traços de inteligência e assim sendo, somente cabe a utilização do termo para as ações compulsivas e impensadas, típico dos animais irracionais, porque para nós, seres humanos, o termo é outro!

Juízo é a metodologia que dirige a consignação das relações significativas entre conceitos, que conduzem ao pensamento lógico objetivando alcançar uma conexão expressiva, que possibilite uma atitude lógica frente às necessidades do momento; completamente desigual a “JULGAR”. Julgar é, nesse caso, estabelecer uma relação entre conceitos. A natureza do Juízo consiste em afirmar uma coisa de outra, disse Aristóteles. O Juízo encerra, pois, três elementos: duas idéias e uma afirmação. A idéia da qual se afirma alguma coisa chama-se sujeito. A idéia que se afirma do sujeito chama-se atributo. Quanto à própria afirmação, representa-se pelo verbo é chamado ligação, porque une o atributo ao sujeito.

Nos estudos forenses de criminologia há uma vasta preocupação entre atilar para individualizar quem é quem num processo investigativo. Muitas das vezes temos que julgar; mas tendo a maior preocupação em não expor elementos sob julgamento inconveniente ou ainda que deixe traços de dúvidas como à questão entre o instinto e o juízo. O ser humano sim; pode agir por instinto, mas na mais alta acepção da palavra, no momento que isso ocorrer, ele estará fazendo parte de outro grupo, que perante a nossa justiça pode ser abalizado como incapaz de responder pelos seus atos.

Podemos carregar traços dos atos instintivos, da mesma forma que alguns animais podem parecer inteligentes, mas nunca devemos confundir uma questão com a outra, porque ainda não pudemos enxergar um asno escrever ou um ser humano relinchar, sem que ambos possuam traços aberrantes.

Todo ser humano é fruto do ambiente em que vive; da mesma forma que todo animal preenche tais condições. No caso específico do ser humano, cada um deve ter a orientação nata ainda na infância para criar as condições de caráter que o conduzirão durante a vida. Se ele nasce num ambiente onde há desrespeitos as regras naturais, poderá desenvolver traços criminosos e a família deve arcar com todas as conseqüências; mas eu duvido muito que alguém consiga criar uma víbora comendo apenas pão com manteiga em um ambiente familiar, sem que ela desenvolva a sina natural de picar alguém, porque sua peçonha lhe é tão peculiar quanto à inteligência é para o homem; eis a questão e a diferença entre os grupos onde um é puro instinto e o outro, puro juízo!

Carlos Henrique Mascarenhas Pires

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Enviado por CHaMP Brasil em 16/11/2010
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