Sou um sem-sol e sem-quintal

Muito me comove o fato de que na minha cidade não tenha mais quintais e nem pardais, pouco agora e menos no futuro, teremos, sim, garagens duplex. Não teremos margens nos rios, mas auto-estradas confusas e placas perplexas.

Moradores já se organizam para criar focos de resistência para impedir o avanço dos prédios sobre os bairros, árvores e pássaro e quintais. Moradores montaram blogs e movimentos na Vila Mariana e na Lapa contra a verticalização desordenada e desenfreada.

É incrível, mas um abaixo-assinado já circula contra a expansão dos empreendimentos. O movimente tem nome: Salve nossos quintais. Não vendam suas casas, não abandonem seus jardins e suas roseiras, vamos resistir na trincheira, perfume e beija-flores de volta e para todos!

Moradores assediados pelas construtoras são tentados, eles dizem que precisamos vender nossas casas. Alguns resistem, como Claudio, 64 anos: “Tenho meu jardim nos fundos e os pássaros fazem uma orquestra pela manhã, não viveria sem esses acordes”. Acorde minha gente, estamos numa cidade sem quintais, sem futuro.

Mas qual o que, a vizinhança não resiste e vende, vende suas casas e os jardins juntos, as plantas órfãs logos serão sucumbidas e morreram sob o concreto. Até o fim do ano mais de 200 novos prédios na cidade e mais viadutos, mais vias expressas, mais pressa, mais aço no ar.

Ah! E o sol, o sol, ele foi bloqueado por um prédio alto na minha frente, e olha que estou na Freguesia do Ó. Sou um sem-sol e sem-quintal. E as rachaduras no muro antigo. Resisto, não vendo mesmo, diz o músico Osmar.

A manutenção de quadras com imóveis baixos acaba funcionando como um “respiro” para a cidade, segundo Nakano, evitando a formação de ilhas de calor, mas quem precisa de ar, de pardais e beija-flores, grama nos quintais?

A verticalização exagerada acontece na cidade, deixando cada vez mais os sem-quintais desesperados, emparedados. A prefeitura não impõe limite e a população fica à mercê do jogo imobiliário-milionário.

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Crônica de Célio Pires em cima de reportagem de O estado de S. Paulo, de 21/out.2010, de Mônica Pestana e Thiago Dantas.