O SANSÃO DA MINHA INFÂNCIA

O Sansão da minha infância se chamava Júlio Lucas, morava no Sítio Chã de Areia, no município de Pilar, Paraíba. Tinha mais ou menos 40 anos, de pequena estatura, era moreno e tinha cabelo curto pixaim.

A paixão de sua vida não era a formosa e sedutora Dalila, como imagino que fosse a que está descrita na Bíblia, mas se chamava Solidade, uma morena com quem era casado há vários anos, uma mulher muito carinhosa com o marido e também com as crianças, talvez porque ela não pudesse ter filhos.

No Sítio Chã de Areia ninguém tinha mais força do que Júlio Lucas. Ele andava desafiando quem quisesse para tirar a prova numa disputa de cana-de-braço. Pois seus muques assustavam qualquer pessoa, pareciam dois melões verdes, tal qual aos do Incrível Hulk!

Quando Seu Julho pegava o galão para buscar água no açude de Seu Dudu, que fica há uns trezentos metros de onde morávamos, eu e meu irmão Evando, íamos de carona com ele, escanchados nas latas vazias, que depois voltavam cheias, e nós dois, novamente escanchados nas latas, voltávamos vendo o nosso herói subir a ladeira sem fazer careta, e quando chegava ao caminho plano, ainda apressar o passo dizendo: segurem pra não cair!

Como foi maravilhosa a nossa infância! Quando o galo cantava pela manhã e o sol despontava seu primeiro sinal de luz no horizonte, já estávamos a bater na porta de Seu Julho, a perguntá-lo: Seu Julho, o senhor vai buscar água hoje?...

A força colossal daquele homem só era aniquilada pelo poder da cachaça. Sim, a cachaça era para ele como a criptonita para o Super-Homem. Era a tragédia do nosso super-herói! Pois quando ele se embriagava, víamos cambaleando pela estrada até se esparramar no chão, e depois, por mais que tentasse, não conseguia se por de pé de novo, até cair definitivamente, derrotado pelo vício impiedoso do alcoolismo.

E naquele momento, toda a nossa admiração transformava-se em medo, então fugíamos da presença dele. Só quem não lhe abandonava, era a sua esposa Solidade e seu cachorro Xaréu, que lambia as suas feridas provocadas pelas quedas que levara no caminho.

O nosso herói tinha as suas franquezas e limitações, mas as suas virtudes, especialmente o seu carinho para conosco, suplantavam todos os seus defeitos. E no outro dia, como se nada tivesse acontecido, lá estávamos de volta a bater na sua porta, perguntando: “Seu Julho, o senhor vai buscar água hoje?”.