BOCA CLOSED NÃO ENTRA FLY

Ele falava pelos cotovelos como diziam as pessoas. Partindo desse princípio, qual seria o melhor lugar de pôr as notícias em dia que em uma barbearia? Bem, como todo mundo sabe... Peixe morre pela boca e Boca fechada não entra mosca.

Estava Stroll no salão de barbeiro como era de praxe todo final de mês; estava ele a comentar, como sempre, as novidades que se passavam na cidade, isto é, depois das mesmas informações terem passadas por seus órgãos auditivos, onde depois iam para a sua boca e, de lá... mais uma vez retornava para a cidade, dessa vez, mais adocicada que antes.

Sabendo disso, o barbeiro Adamastor, que também era um grande fofoqueiro, morria de rir e desejoso de que Stroll retornasse à sua barbearia no mês vindouro. Chegou até mesmo a dizer, isso lógico, na ausência do cliente, que seria capaz de cortar seu cabelo e fazer-lhe a barba sem receber um tostão.

Quando Stroll chegava à sua barbearia, era o dia que ele mais gostava. Não pelo dinheiro, mas, pelas anedotas que saiam da boca do homem que se dizia bem informado de tudo o que acontecia na cidade.

– E aí, Stroll... O que me conta de novo? – falava.

– Não tenho nada demais... bem, prá dizer que não tenho nada... A única coisa que eu sei, isso é, está na boca do povo – mentira – é que a esposa do Dr. Meneses está saindo com o vigário da igreja Matriz – sorria.

– O quê?! Aquela madame boasuda, toda posuda que passa aqui todos os dias fingindo-se de beata, inacreditável! Esses grã-finos só servem prá levar chifre, e você, Stroll, não presta – dizia as palavras enquanto, a sorrir, a ponto do seu estreito e bem feito bigode mover-se e os olhos lacrimejarem; alguns tapinhas eram dados nas costas do homem a fim de cativá-lo para que ele desembuchasse mais informações.

Stroll, usando de modéstia...

– Não está mais aqui quem falou.

– Não se preocupe, homem. Não sou de falar de ninguém – continuava – “Boca closed não entra fly”.

Stroll nem se preocupava enquanto estava na barbearia; a sua barba estava, como sempre, sendo bem tratada. O barbeiro ficava tão entretido com a prosa que nem tinha pressa de findar o serviço. E o cliente percebia que o barbeiro caprichava. Um pouco careiro, mas prá ele havia um desconto, lógico, e essa carestia não o inibia de retornar.

– Não vê aquela, oh! Tão novinha, já está grávida e não sabe nem mesmo quem é o pai da criança – apontava.

E o barbeiro, na cumplicidade...

– Que novinha que nada, homem! Já está com doze anos e pesa mais de trinta quilos – sorria mais uma vez, e a sua voz fanha dava maior escárnio no som do seu sorriso.

Término do serviço e fofocas..

– Até a próxima, Adamastor!

–Tá cedo, meu amigo! Fique um pouco mais prá continuar a prosa.

Nada feito. Se despediam e o barbeiro tinha certeza que o cliente voltaria no mês vindouro. Dito e feito! No mês seguinte, mais uma vez estavam eles a especularem a vida de fulano e sicrano, de A a Z, e de tantos filhos de Deus que por azar viessem a cair na boca do povo.

Como de costume, no mês seguinte, lá estava Stroll mais uma vez na cadeira do Adamastor a contar os boatos que faziam os olhos do barbeiro ficarem arregalados e verterem lágrimas...

– Alguma novidade, Stroll? O que me conta desta vez?

Stroll, todo faceiro, sorriu, como sempre.

– O que um pobre cliente tem de novidade que você ainda não sabe, Adamastor?

Adamastor terminou rápido o cabelo do cliente que estava na cadeira. Não deveria perder tempo com qualquer cliente. Aquele sim, aquele era o seu melhor cliente. Aquele valia a pena ficar horas e horas na sua velha poltrona a conversar.

Assim que o homem saiu da cadeira, Adamastor sacudiu ao vento o branco pano. Todo feliz, pediu que Stroll sentasse. A partir daquele momento, não havia mais pressa para nada. Isso é, se Stroll desejasse permanecer durante todo o dia, seria melhor. Não tanto na parte financeira, mas no lazer.

Quando Stroll sentou-se na cadeira...

– Bem, não sei se você sabe, mas hoje pela manhã o boato que surgiu foi que o Fernando fugiu da cidade depois de emprenhar uma moça... depois de engravidar a filha do Pastor Lió.

– Fernando... qual Fernando?

– Fernando Moela, o filho de Antônio Alves e de Lenaide.

– Logo Fernando Moela, aquele incrédulo, emprenhar a filha do Pastor Lió? Hi! Vai dar rolo. Mas também... são uma porção de lobos vestidos de cordeiros; são sonsas que fingem de santinhas. A maioria vai ser crente prá fisgar algum peixe.

– Que peixe você está falando, Adamastor?

– Eu falo de casamento, homem! Deixe de ser leso, eu falo do bendito casório!

... Pausa...

– Olha, Adamastor, “eu aumento mas não invento!” Por exemplo: veja aquela distinta senhora que vai ali, de sapatos altos e rebolando mais que calda de jacaré, oh! Aquela mulher é uma piranha. Aquela dá mais que chuchu na cerca ... pra ser mais exato: ela é a maior galinha dessa cidade. Veja a pose dela!

O barbeiro, retirou a navalha que estava em contato com o pescoço do falastrão e olhou para a rua, imaginou que o fofoqueiro tivesse se enganado.

Mas...

–Ué, Stroll, você está desconhecendo? Aquela é a minha esposa, homem! – falou, enquanto repondo a navalha em contacto com o pescoço do homem que, trêmulo, quase engasgado na própria saliva falou...

– Quem?!

– A minha mulher, Stroll! – repetiu o barbeiro.

O silêncio imperou por alguns instantes, até Stroll recobrar os sentidos.

– Aquela... aquela senhora que vai ali... não, Adamastor! Aquela... – gaguejou o falastrão – aquela senhora que vai ali... é... é a professora, a sua esposa! Eu estou falando daquela lá oh!...

Fazendo bico nos lábios sem poder movimentar o pescoço para frente, indicou na direção a uma silhueta humana que estava a uma distância de aproximadamente uns quinhentos metros. O seu nervosismo era tanto que, só depois que deixou a barbearia, percebeu que a silhueta indicada por ele, era um velho deficiente que, para locomover-se, usava uma muleta. E maior que o seu nervosismo, foi a sua sorte, pois, o barbeiro Adamastor era míope.

Stroll, que tinha pontualidade britânica, não mais voltou à barbearia. Não por falta de assunto, mas, por saber que o barbeiro havia ido ao oculista e estava de óculos de grau novo e, com certeza, não iria deixar-se confundir pela segunda vez por um velho DE MULETA QUE SE PASSARA POR SUA SANTA ESPOSA.

Este trabalho está registrado na Biblioteca Nacional-RJ

carlos Carregoza
Enviado por carlos Carregoza em 27/10/2006
Código do texto: T275147