SE A TIA AGARRA...

Na maior parte do mundo; é assim mesmo; ladrão de galinha quando vai ser preso ninguém diz nada; tem até seu vizinho que ri muito, porque no trajeto entre a casa do detento e a delegacia ele apanha igual mala velha em véspera de viagem; numa ocasião como esta nenhuma rádio, jornal ou televisão não noticia nada, porque isso não dá audiência. Tem ainda o lado da autoridade policial e judicial; ninguém quer saber de nada e vai logo passando a caneta para mandar o “meliante” para o entupimento carcerário...

Mas quando o preso é o chamado “de colarinho branco” a coisa muda de figura; duas situações distintas podem acontecer; a primeira é quando o investigado possui alto prestígio na cúpula do Poder; se ele tem amigos no Executivo, Legislativo ou no Judiciário podem estar garantidas muitas prerrogativas que impossivelmente o ladrão de galinha teria. Ele é avisado com antecedência de todos os passos policiais; é avisado se corre risco, mas enquanto isso, ele precisa doar dinheiro para as obras de caridade que beneficiam as contas destes mesmos poderosos.

No segundo caso o investigado tem prestígio com o Poder e com a imprensa; ele ajuda financeiramente a turma do governo; a turma da justiça; a turma que faz lei e ainda derrama montanhas de dinheiro nos veículos de imprensa em forma de propaganda comercial. Este é, sem dúvida, o pior de todos e o mais inteligente. Ele não se preocupa com o dinheiro gasto, pois sabe que na hora “H”, se não todos; muita gente vai querer lhe ajudar para não aparecer no olho do furacão.

O crime de colarinho branco, do ponto de vista da criminologia, foi assim definido pelo jurista estadunidense Edwin Sutherland, como sendo um crime cometido por uma pessoa de respeito público, conhecido de todos e estimado publicamente pelos seus feitos legais. Ainda segundo Sutherland o criminoso age de acordo com o seu grau de envolvimento com outros criminosos.

No Brasil a definição é praticamente a mesma, somente mudada em alguns pontos que estão relacionados aos crimes coorporativos, que envolvem subornos fáceis e o abuso de confiança, muitas vezes criado em empresas; mas em geral, seja aqui em terras brasilis, seja no resto do mundo, este tipo de crime é de difícil enquadramento em uma qualificação jurídica precisa, fato demonstrado por que raramente quem o pratica vai para a cadeia, sequer sofre algum processo judicial e quando por desventura do indiciado isso ocorre, 1 em cada 100 vai pagar por isso!

Em 2004 a Polícia Federal criou uma operação para investigar suspeitos de lavagem de dinheiro; mas não eram suspeitos comuns, muito menos pessoas que são proprietárias de lavanderias; brincadeiras a parte, esta mega operação que se chamava Satiagraha queria gente graúda, como banqueiros, diretores de bancos e mega investidores.

Geralmente as operações policiais são organismos de diligências desempenhadas pela polícia durante uma investigação; em regra, relativas a um inquérito policial. Todo inquérito, por sua vez, ao ser concluído, é enviado ao Ministério Público, responsável por decidir se é caso ou não de iniciar um processo criminal contra os investigados. Se isso acontece, ou seja, se o MP resolve instaurar um processo, ele o encaminha a justiça que chancelará pela instauração ou não da ação penal.

O problema é que entre a autoridade policial elaborar uma investigação e esta se transformar em ação penal, muita gente é envolvida; muitas esferas do Poder ficam sabendo; quando o investigado é aquele ladrão de galinha, em menos de um dia sai à prisão e a condenação; mas quando se investiga alguém que tem mais de 5 mil funcionários, inúmeras empresas, milhões de dólares investidos em propagandas em redes de TV, rádio e jornais importantes do país; neste caso é difícil quando não temos autoridades imparciais.

No princípio a Operação Satiagraha foi comemorada pela população brasileira como sendo uma espécie de “passar a limpo” aquele lixo escondido à décadas. Em primeiríssima mão a Rede Globo recebeu um material devassador que revelava um suposto esquema de favorecimento entre a PF e um banqueiro importante e idem importante empresário brasileiro, Daniel Dantas. Eu lembro que na época muitos colunistas escreveram que finalmente haviam prendido um peixe grande, fato raríssimo até a ocasião.

Satyagraha foi o termo usado pelo pacifista indiano Mahatma Gandhi durante sua campanha pela independência da Índia. Em sânscrito, Satya significa verdade. Já agraha quer dizer firmeza. Assim, Satyagraha é a firmeza na verdade, ou 'firmeza da verdade'. Satyagraha significa o princípio da não-agressão, ou uma forma não-violenta de protesto, como um meio de revolução. Satyagraha também é traduzido como "o caminho da verdade" ou "a busca da verdade". No Brasil o termo foi escrito como Satiagraha e era rotulado como a mais pura verdade, doa em quem doer!

O restante a maioria se lembra; foi um tremendo “disse me disse” e inúmeras figuras públicas ficaram rotuladas como participantes do esquema; além do Daniel Dantas um delegado da PF revelou que documentos apreendidos no apartamento do banqueiro provavam uma extensa lista de recebedores de propinas, dentre estes estavam juízes, jornalistas e outros políticos que juntos receberam 18 milhões de Reais.

Como toda operação da Polícia Federal requer o acompanhamento de um promotor de justiça, apareceu à primeira figura que ficaria conhecida nacionalmente, Procurador Federal Rodrigo de Grandis; depois outro nome viria a ficar famoso pela participação no caso, Delgado federal Protógenes Queiroz; ainda do lado das autoridades, se destacou também a figura do Presidente do STF à época, Ministro Gilmar Mendes, que mandou soltar Dantas e despachou monocraticamente de acordo com o Art. 13, VIII do Regimento interno do STF.

Solto, Dantas nem mesmo aproveitou-se das poucas horas para relaxar, pois eis que entra em cena outra figura que se tornaria pública, Juiz Fausto de Sanctis; que mandou mais uma vez prender Daniel Dantas 10 horas após do STF mandar soltá-lo. Naquele instante todos nós brasileiros já sabíamos que a Operação Satiagraha seria mudada para Caixa de Pandora, porque revelações bombásticas seriam arremessadas num enorme ventilador e os mocinhos poderiam se tornar bandidos e os bandidos não seria mocinhos por isso!

O caso começava a tomar proporções catastróficas, pois a cada dia havia uma nova revelação surpreendente envolvendo mais notáveis brasileiros. Por causa da Operação Satiagraha surgiu mais uma crise no STF, desta vez provocada pelo Ministro Joaquim Barbosa, que acusou publicamente seu colega e Eros Grau de burrice jurídica e até pediu para ele voltar aos bancos das faculdades para aprender o direito; tudo isso, porque Grau mandou soltar um dos envolvidos na operação.

Os poderes se dividem relativamente; de um lado o Congresso se solidariza com Gilmar Mendes e a sociedade entende que em favor de Dantas; de outro o Palácio do Planalto entra em pânico, porque o então Ministro José Dirceu publicou duras críticas contra a Polícia Federal e sua operação a quem ele chamou de mera especulação; mas de outro lado, o hoje Governador do Rio Grande do Sul e então Ministro da Justiça, Tasso Genro, mantinha a fogueira acesa e dando mais combustível logístico para que a PF seguisse em frente. O advogado de Dantas revela que ele teria dados comprometedores do Governo Lula no caso, mas Dantas nega e quando isso ocorre, dizem que inúmeras reuniões foram feitas em todos os cantos possíveis do Brasil para que as ondas de nervos se acalmassem!

Quem já ocupava quase todos os noticiários da TV, rádios e jornais brasileiros era o delegado Protógenes Queiroz; ele chegou a ser considerado como herói. A PF o afasta das investigações; em seguida Lula o manda voltar, mas isso não acontece. Dias depois Lula o chama de herói, mas Protógenes permanece afastado. Ao mesmo tempo inúmeras ações da Polícia Federal são deflagradas para que o caso fosse resolvido e para que tantas acusações fossem respondidas. Não bastasse a Satiagraha, já havia a Caixa de Pandora e naquela ocasião outra operação tomava rumos mais fortes; ela se chamou “operação abafa”, que consistia em fazer com que o povo esquecesse tudo que ocorrera.

Em setembro de 2008 era a vez do Juiz Fausto de Sanctis também sofrer na pele por enfrentar os Poderes; ele não foi punido disciplinarmente como queriam alguns dos figurões brasileiros, mas também se pôs, querendo ou não, no olho de furacão. De Sanctis recebeu inúmeras acusações vindas de diversos setores constituídos, mas o Conselho Nacional de Justiça as julgaram improcedentes.

Segundo informações do CONJUR (texto na íntegra): Quase três anos depois; após tantas acusações e de mocinhos virando bandido, está nas mãos do juiz federal Toru Yamamoto o desenlace da mais emocionante novela política da história do Brasil. Cabe a ele dizer se Daniel Dantas corrompeu o Legislativo, o Judiciário, o Executivo e a imprensa do país ou se foram os concorrentes do banqueiro Dantas que usaram seu carisma para colocar a Polícia Federal, a Abin, o Ministério Público, alguns juízes e a mais poderosa emissora de TV do país a seu serviço para destroçar o adversário.

O que a 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo examina é se a famosa Operação Satiagraha foi arquitetada e dirigida pela iniciativa privada. Os elementos já colhidos são explosivos. Com a quebra do sigilo telefônico do então delegado Protógenes Queiroz descobriu-se que ele trocou pelo menos 93 telefonemas com o empresário Luís Roberto Demarco entre julho de 2007 e abril de 2008 — ou seja: o maior inimigo de Dantas participou, de fato, da operação.

A quebra do sigilo telefônico foi autorizada pelo juiz federal Ali Mazloum a pedido do delegado Amaro Vieira Ferreira, da Corregedoria da Polícia Federal. Ao perceber que por trás do idealismo de Protógenes havia personagens com interesse comercial e econômico na operação, Mazloum desdobrou o processo. O empresário Luís Roberto Demarco foi ao Tribunal Regional Federal pedir o trancamento do inquérito. O Tribunal não concedeu, mas repassou o caso para a 3ª Vara Criminal, onde o caso não teve andamento novo até agora.

Outro lote de ligações sugere que a famosa cena do suposto suborno dos policiais foi montada. Protógenes sempre sustentou que o misterioso Hugo Chicaroni seria o preposto de Dantas encarregado de comprar o inquérito — a essa altura pilotado pelo juiz De Sanctis e pelo procurador De Grandis. A quebra do sigilo mostra que Chicaroni, na verdade, é velho conhecido do ex-delegado. Entre fevereiro de 2007 e julho de 2008, os dois trocaram pelo menos 185 ligações. O famoso encontro na churrascaria El Tranvia, gravado pela TV Globo, só aconteceu em agosto de 2008.

O juiz federal Fausto de Sanctis, nos doze meses anteriores à deflagração ruidosa da operação despachou diretamente com o delegado pelo menos 88 vezes. Mas a interlocução prioritária do então delegado era mesmo com a TV Globo, com mais de quinhentos telefonemas. Mais que o dobro das comunicações com o Ministério Público Federal.

Para o advogado Carlo Frederico Müller que, com o colega Renato de Moraes, representa outro alvo da Satiagraha, o ex-presidente da Brasil Telecom, Humberto Braz, a intensa comunicação do então delegado com personagens estranhas à estrutura pública mostra mais que apenas vazamento de informações sigilosas. "Fica claro que a operação foi comandada de fora para dentro", diz Müller, que vê no cruzamento dos registros telefônicos a confirmação do que o jornalista Raimundo Pereira publicou no livro O Escândalo Daniel Dantas.

A defesa de Daniel Dantas, que nesse processo atua na acusação, enfrenta o Ministério Público Federal — que neste caso atua no sentido de trancar a investigação. Caso o juiz federal Toru Yamamoto toque o processo em frente, os acusadores de Protógenes pretendem cruzar as datas dos telefonemas e seus interlocutores com as datas em que Protógenes Queiroz declarou ter ganhado, em doação, em 2006, os imóveis que ele declarou à Justiça Eleitoral no ano passado.

A Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), no Rio de Janeiro, quer ter acesso às informações do processo que resultou na condenação do ex-delegado Protogenes Queiroz, por vazamento de informações na Operação Satiagraha. O processo correu na 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo e foi remetida ao Supremo Tribunal Federal, já que o deputado tem foro por prerrogativa de função.

Em ofício à Justiça Federal em São Paulo, a delegada Helen Sardenberg afirma que "tendo em vista no âmbito do Inquérito Policial 2009.61.81.008866-0 investiga-se vazamento de informações sigilosas na Operação Satiagraha e da existência de telefonemas entre a empresa comercial Nexxy Capital Brasil Ltda, pertencente a Luiz Roberto Demarco Almeida, e autoridades incumbidas da investigação na referida operação e responsáveis pelas interceptações telefônicas e telemáticas, solicito, respeitosamente, a V. Exa. que nos forneça informações e tudo o mais que possa auxiliar na elucidação do Inquérito Policial 218-00231/2008”.

Ainda segundo o ofício, o inquérito foi instaurado em 20 de junho de 2008, na Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, para apuração de suposto crime previsto no artigo 10º, da Lei 9.296/96. De acordo com o dispositivo, “constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei".

No afã de conseguir provas incriminatórias contra o banqueiro Daniel Dantas, o então delegado Protógenes Queiroz, no comando da chamada "operação satiagraha" gravou ligações dos empresários Roberto Irineu Marinho e Eike Batista; do namorado da senadora Marta Suplicy, Márcio Toledo; do jornalista Roberto D’Avila, então namorado da ministra do STF Ellen Gracie; do ex-deputado Delfim Netto; da Editora Abril; e até do Consulado dos Estados Unidos em São Paulo.

O telefone grampeado, registrado na listagem produzida pelo sistema Guardião da Polícia Federal, foi o do empresário Naji Nahas, que é identificado nas listagens da investigação com o codinome de "Jararaca".

A amplitude da curiosidade do hoje deputado pelo PC do B, Protógenes Queiroz, gerou abertura de inquérito para apurar se em vez de obedecer ao interesse público, o delegado trabalhava para atender interesses privados.

A trama, que agora se descortina, é explicada pelo jornalista Raimundo Pereira em seu livro "O Escândalo Daniel Dantas" como uma armação para tirar do ringue o mais ameaçador concorrente no processo de privatização da telefonia no Brasil.

A versão de que o cliente foi alvo de perseguição interessa à defesa de Dantas, mas é corroborada pelos ex-executivos da Telecom Itália que, interrogados pela Justiça italiana sobre o paradeiro de milhões de euros enviados ao Brasil sem destinação no balanço da empresa, confessaram que o objetivo foi o de remover obstáculos, como Dantas, para abocanhar a maior fatia possível do mercado brasileiro de telefonia. O dinheiro teria sido usado para estimular policiais, políticos e jornalistas a participarem do mutirão.

Quem atua contra o andamento da investigação sobre a privatização da Satiagraha, inquérito que se encontra na 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo, é o Ministério Público Federal de São Paulo. Em setembro do ano passado, os procuradores da República pediram a anulação e a destruição da prova colhida no Inquérito Policial 2008.61.81.008866-0, como consta do acompanhamento processual no site do TRF-3. A justificativa do MPF é o fato de a 7ª Vara Federal, do juiz Ali Mazloum, ter determinado a produção de provas sem requerimento dos procuradores.

Para o advogado do Opportunity, Andrei Zenkner Schmidt, esse argumento é um paradoxo, já que o mesmo MPF aceitou o resultado de diversas medidas decretadas pela 6ª Vara, do juiz Fausto De Sanctis, igualmente sem pedido do MPF.

Hoje Daniel Dantas e todos os outros acusados estão soltos; este processo mega monstro não deve ser concluído nos próximos anos, isso porque, dezenas de outros personagens e fatos necessitam; primeiro serem devidamente encaixados para que cada um assuma de fato por aquilo que produziu, salvo em contrário a justiça não está sendo promovida, muito menos executada.

Protógenes aos trancos e barrancos conseguiu uma vaguinha no Congresso, graças a Tiririca, que não estava no processo, mas teve mais de 1 milhão de votos e ajudou o Delegado a se eleger deputado federal. Gilmar Mendes conseguiu provar, pelo menos aos que entendem (ou pensam) do Direito, que ele apenas legiferou o que permite e determina a Constituição Federal; e tudo como dantes no Quartel de Abrantes, apenas gastamos milhares de Reais para patrocinar uma operação policial que foi do nada ao lugar nenhum, mas pelo menos para mim, mero expectador da história; pude aprender que nem sempre o mocinho é o mais bondoso de uma história.

Na época eu havia escrito uma crônica sarcástica intitulada “SE A TIA AGARRA” e cheguei a receber centenas de e-mails afirmando que eu também era amigo de Gilmar Mendes e a favor de Dantas. Em outros comentários publicados na internet o jornalista Paulo Henrique Amorim me critica e ataca o Juiz Federal Ali Mazloum pelos fatos presentes e pelo passado, que nada tem a ver com esta história; quem tem culpa, infelizmente, após tantas intervenções e tantos disparates, dificilmente saberemos. Mesmo após uma relativa passagem pela Telemig Celular, jamais estive com Daniel Dantas e nunca me beneficiei de qualquer centavo advindo dele; não consigo lobrigar se eles (os envolvidos) são culpados ou inocentes, mas uma coisa é certa: raramente se faz algo neste país que sirva de lição, seja para alguém, seja para a história!

Os casos policiais do Brasil deveriam ser mais científicos, seja do ponto de vista da moderna criminologia, seja do ponto de vista das ciências jurídicas, para que não se enfatize ainda mais o velho axioma de “nadar, nadar e morrer na praia”, porque do jeito que fazem, eu começo a entender melhor o porquê de Tiririca ter sido eleito; ele é a cara do povo!

Carlos Henrique Mascarenhas Pires

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Enviado por CHaMP Brasil em 27/02/2011
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