Ao menos em uma situação o sentimento da fome nunca é compartilhado por quem a sente. É na primeira infância, na desnutrição grave, no kawashiorkor ou kawashiorkor-marasmático, onde há emaciamento dos tecidos e lesões pelagróides a semelhança de queimaduras de primeiro grau, na qual há exposição do tecido subcutâneo. Com cabelos descorados a cor de pelo de rato. Nunca é compartilhado por quem a sente por que deixa de ser reconhecido como fome, ao ponto de a criança recusar a comida e ter que ser alimentada por sonda até voltar a reconhecer a fome como fome e, então, entrar numa glutorenia de dar gosto de ver, com recuperação nutricional, recuperação da cor dos cabelos, que se tornam viçosos e contrastantes com as pontas pardacentas. Quando então recebia alta e ao chegar a sua casa privada novamente da alimentação tinha recidiva da desnutrição, com perda da cor do cabelo perto da raiz até ao ponto onde o cabelo voltara a ter cor viçosa, antes da ponta outra vez da cor de pelo de rato, manifestação essa do fânero capilar conhecida como sinal da bandeira ( o cabelo viçoso entre o cabelo pardacento da recidiva da desnutrição perto da raiz e o da extremidade referente ao da desnutrição que motivara a primeira internação ). Esses eram os quadros de desnutrição infantil que se viam mesmo nas grandes capitais do Brasil até quase o fim do século passado. E em áreas mais remotas antes do programa bolsa família e das políticas de segurança alimentar. Em adultos eram os quadros de inanição, geralmente causados pelas doenças consumptivas graves, câncer, doenças do colágeno, síndromes disabsortivas severas. Chega a ser irônico pensarmos que hoje a fome não compartilhável seja a das modelos que padecem de anorexia. Iguais àquelas crianças que não reconheciam mais a fome como fome.
Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 12/03/2011
Reeditado em 30/08/2013
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