Depois do tsunami, o poeta

     A onda gigante e devastadora felizmente se foi.
     Devagar, Salvador vai se recompondo, após ser varrida por um tsumani, que foi o seu carnaval e repito: de músicas chulas; algumas imorais.
     Em alguns pontos de Salvador, a onda gigante passou impiedosa. Levou transtorno e desassossego aos seus moradores e interrompeu a tranquilidade que os velhos e os passarinhos desta cidade fazem jus.
     Da orla e do mar, que serviram de palco à desenfreada folia, foram retiradas, estou lendo nos jornais, toneladas de lixo. Sem dúvida, um flagrante desrespeito ao meio ambiente.
     Nas esquinas do chamado "circuito do carnaval", que viraram em alguns momentos sanitários públicos, centenas de "camisinhas" usadas foram recolhidas, dando aos nossos resignados garis um trabalho dos pecados.
     Salvador maltratada e mutilada!
     Enquanto isso, as "estrelas" da fuzarca tomam o caminho do aeroporto, com suas sacolinhas recheadas.  Os mais apatacados, logo mais estarão gozando "uns dias de férias" na Europa ou nos Estados Unidos.
     Para trás, ficaram  mais de uma centena de foliões, com seus abadás nos ombros e a conta bancária martelando-lhes a cuca...
     Mas como disse acima, a onda gigante e avassaladora passou, sabendo, entretanto, o salvadorense que ela não se foi definitivamente: em fevereiro de 2012 estará de volta , para, mais uma vez, incomodar e poluir. 
     E só Deus sabe o que poderá acontecer, posto que, a cada ano o carnaval de Salvador se descaracteriza e afronta a cidade que se respeita.
     Não adiantam os apelos: "Vamos salvar o carnaval! Vamos salvar o carnaval"
     
     Silenciados os trios, calados os blocos, e o pagode recolhido à sua insignificância, é hora de falar de coisa séria. 
     Amanhã, dia 14 de março, a Bahia reverencia o seu poeta maior: Antônio Frederico de Castro Alves 
     Cecéu, como os de casa o chamavam (e talvez as suas amantes, na intimidade das alcovas), nasceu no dia 14 de março de 1847, na fazenda Cabaceiras, a sete léguas da cidade que tem hoje o seu nome, Castro Alves, distante 150 km de Salvador.
     Várias comemorações, oficiais ou não, marcarão os 164 anos do seu nascimento.
     Podia relembrar aqui, uma a uma, as mulheres  que Castro Alves amou. Segundo seus biógrafos ele foi um jovem poeta permanentemente apaixonado. 
     Daí seus versos, esplendorosos, para Eugência Câmra, Idalina, Leonídia Fraga, para as moças da casa do Sodrê, Ester e Simy, "judias de grande beleza", e para tantas outras beldades que enfeitaram o seu pequeno tempo de vida.
     Castro Alves morreu no dia 6 de julho de 1871. Portanto, com apenas 24 anos de idade. E como poetizou este ilustre baiano neste exíguo espaço de sua existência!

     No Jardim da infância, lá no meu Iguatu, no brabo sertão do Ceará, ensinaram-me que a melhor maneira de se homenagear um poeta é recitando-lhe os versos.
     Hoje, li e reli Espumas
flutuantes no desejo desesperado de encontrar os melhores versos com os quais pudesse reverenciar o poeta Castro Alves, um dos meus vates prediletos, meu ídolo, desde quando comecei a conhecer o Amor mais de perto.
     Versos como estes: "E a noite no mesmo leito/ Reclinada no mei peito/ Hei de ouvir os cantos teus.../ Por cada estrofe bonita/ Do teu seio que palpita, / Terás cem beijos...por Deus!" Ah, este Cecéu!
     Três poemas estiveram diante dos meus olhos:  
     
O laço de fita, Adormecida, e Gondoleiro do amor, que virou canção, na voz penetrante do saudoso Vicente Celestino
     
Foi difícil escolher o poema capaz de resumir minha homenagem ao poeta detes versos: "Ó! Diz-me. diz-me, que ainda posso um dia/ De teus lábios beber o mel dos céus;/ Que eu te direi, mulher dos meus amores:/ Amar-te ainda pe melhor do que ser Deus!"
     Tinha, porém, que me decidir e curvei-me diante da ternura de O laço de fita. Um poema longo, mas vale a pena recordar alguns dos seus delicados versos.
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 Na selva sombria de tuas madeixas,
 Nos negros cabelos da moça bonita,
 Fingindo a serpente qu´enlaça a folhagem,
 Formoso enroscava-se
 O laço de fita.
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 Meu ser, que voava nas luzes da festa,
 Qual pássaro bravo, que os ares agita,
 Eu vi de repente cativo, submisso
 Rolar prisioneiro 
 Num laço de fita.
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 Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
 N´alcova onde a vela ciosa...crepita,
 Talvez da cadeia libertes as tranças
 Mas eu...fico preso
 No laço de fita.
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 Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
 Abrirem-me a cova...formosa Pepita!
 Ao menos arranca meus louros da fronte,
 E dá-me por c´roa...
 Teu laço de fita.

     Perdão por não ter transcrito o poema inteiro. Mas acredito que muita gente já tem este poema guardado na memória. 
      Afinal, ler Castro Alves e reconhecer o gênio e abraçar o AMOR.! E ainda acrescento: ler Castro Alves é amar a Bahia!
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 13/03/2011
Reeditado em 13/03/2011
Código do texto: T2845829