230 - OS MENINOS DE CALÇA Lee.

 

Todo menino da Vila tinha um sonho
Todo menino da Vila tinha sua galera,
Todo menino “da Vila tinha lá os seus desejos”.



     Mas, para a maioria desses jovens os desejos sonhos e necessidades não eram assim tão fáceis de realizar e às vezes, não passavam de sonhos. Quando se tratava de aquisição de algum bem ou serviço tínhamos que nos submeter às reais possibilidades, de acordo com as posses dos pais. Isto ainda, levando-se em conta que se o bem desejado dependesse do esforço de outro, tínhamos ainda que disputar entre familiares a hora e a vez. Quase sempre não dava para adquirir brinquedos ou roupas, era uma dependência direta do poder de compra dos pais e da concorrência dentro de casa.
O normal, mesmo era a necessidade de cada um se virar como pudesse.

     Já na faixa dos dez anos tínhamos que sair para engraxar sapatos ou buscar esterco para vender e assim ganharmos algum dinheirinho. Havia ainda outras atividades que tínhamos que disputar com alguns companheiros como o direito de vender pastéis, pudim de pão e pé-de- moleque que as nossas mães ou outras senhoras lá da vila faziam para vender.
Então, íamos no pós-aulas para vender para os operários nas empresas que estavam realizando alguma obra , tais como, construção de casas ou obras de estrutura na cidade. Quando estavam construindo casas para os empregados da grande mineradora, era comum também aceitarmos a incumbência de bater pregos nos tacos de madeira que iriam ser usados como assoalhos nas novas residências, era um martelo, quilos de pregos e muitos metros quadrados de tacos presos com arco-de-barril e muitas pancadas nos dedos no afã de cumprir cada vez mais rápido as tarefas que eram pagas com uns poucos centavos. Além do mais havia ainda a possibilidade de “fazer brita” que consistia em quebrar pedra com marreta lá na pedreira da Chácara Minervino Bethônico enchendo latas de 18 litros ou outra medida fornecida pelo contratante. Esta tarefa não durou muito tempo, pois um moleque, certa vez, encontrou uma espoleta usada na dinamitagem da pedreira e resolveu brincar com o “troço” batendo com uma pedra sobre o artefato foi uma explosão que levou parte dos dedos da mão direita do moleque, que teve de ficar hábil com a mão esquerda, pois a direita ficou prejudicada. Aí, com o acidente, acabou a festa, pelo menos para os menores de dezoito anos.

     Mas, era um tempo feliz apesar de todo esse miserê. Ainda sobrava tempo para jogar bola, como dizíamos, bater uma pelada além outras brincadeiras como fazer carrinho de rolimã, jogar finco, bolinhas de gude e matar passarinhos e armar arapucas e mundéus para pegar passarinhos, pegar araçás e gabirobas nos pastos de gado do Senhor Nenego Prisco e na área de pastos da antiga fazenda do Pontal de propriedade da família do poeta Carlos Drummond de Andrade.
Essa infância feliz, hoje podemos avaliar muito bem desta forma, tinha ainda outras mazelas. A roupa que usávamos no dia a dia era costurada por nossas mães e quase sempre era de sacos de açúcar costurado naquelas máquinas de mão e de preferências pelo lado avesso, para encobrir as marcas de identificação pintadas nos sacos, então eram sacos de açúcar para calças curtas (tingidas com “Tintol”, na cor azul) e camisas brancas carinhosamente alvejadas eram de sacos farinha de trigo (eram melhores que os sacos de embalagem de açúcar).
Lá no bairro onde morávamos na década de sessenta, embora não houvesse uma estrutura física ha separar o joio do trigo, ou os meninos filhos de pais com mais posses, por serem filhos de empregados com cargos administrativos ou os chamados encarregados das minas que ganhavam melhores ordenados. Mesmo assim, havia uma tênue linha a marcar esta diferença entre a molecada, na hora da bola rolar no recreio do grupo escolar, bem que a turma lá do outro lado do armazém distribuía umas cacetadas nos meninos do outro lado da vila, como querendo fazê-los pagar como se dizia “as favas que o boi comeu”. Na verdade era uma vingança comezinha, como se eles fossem culpados das diferenças que há no mundo de miseráveis que tornavam uns mais miseráveis que outros, a botina corria à solta.

     As diferenças que eram marcantes na idade do grupo escolar acabavam ficando niveladas quando nos encontrávamos lá no curso ginasial ou na Escola de Formação Profissional. Era um nivelamento por mérito, tipo assim, diriam os jovens de hoje em dia, você passou no teste de seleção, também passei! Quando os jovens das galeras (turmas) estavam ensaiando os primeiros namoros quem se atrevesse a saltar a fronteira de um lado para outro sempre corria o risco de sair correndo com as escaramuças.
     Mas, mesmo assim com todo este arsenal de diferenças dentro dos grupos ou subgrupos em ambos os lados havia uma marcante e que fazia no inicio dos anos setenta a designação do sucesso eram os meninos que vestiam a famosa calça com etiqueta de couro do legitimo “Índigo blue” Estes sim. “Estavam por cima da carne seca”, como dizia o antigo humorista da Rádio Nacional. Eram os meninos que usavam calça Lee.

     Esta crônica é dedicada ao “canhotinha de ouro” Bernardo Gonçalves, ex-atleta do Campestre Futebol Clube.
Vila Velha, 21 de Abril de 2011
CLAUDIONOR PINHEIRO
Enviado por CLAUDIONOR PINHEIRO em 01/05/2011
Reeditado em 05/02/2012
Código do texto: T2943328