BOA IDADE - QUEM TEM COM QUE ME PAGUE NÃO ME DEVE NADA... Por Carlos Sena.
 

 
"Estou bem, FAZENDO DE UM PÉ DOIS RASTROS até a morte chegar"...

Minha mãe tem 82 anos. Sempre que alguém lhe pergunta "como vai?" Ela dá esta resposta. Essa resposta é prática e objetiva e mostra um pouco do tom da vida de quem envelhece, principalmente em nosso país. Sendo prático, acho que quem de moço não morre, de velho não escapa. Da mesma forma que na vida só há uma grande certeza: a morte, pois ninguém até hoje, ficou vivo na terra feito semente. O que nos encafifa: por que a gente não se prepara para isto? Por que, se todos um dia envelheceremos não se constrói uma cultura de amor pelos mais velhos?

Certo que pagamos um preço alto por termos dentro de nós a noção do tempo. Diferente do “peru” que costumamos dizer que morre de véspera, nós humanos, morremos bem mais de véspera do que o peru. A partir do dia em que nascemos já começamos a morrer, mas nos iludimos com a construção interior do sentimento de vida eterna. Isto tem nos permitido a viver amando a vida como se nenhum futuro nos sucumbisse da face da terra. Nesse processo de ilusão de vida eterna, a gente construiu o calendário, as horas, os minutos, os segundos. Como que achando pouco, inventamos as fases da vida e lhes batizamos de infância, juventude e velhice. Como é na velhice que a morte geralmente nos surrupia da vida, agora inventamos mais uma categoria: A BOA IDADE – boa pra gente ser discriminado pelos jovens, boa pra ninguém nos escutar, boa pra gente se prestar a ser cobaia da lei da gravidade, boa pra gente ser traída pela memória, boa pra fartura da visão fraca, das pernas duras, do sexo raro, do abandono dos filhos... Até que um dia a gente vá sumindo e ganhe talvez, um quartinho no fundo do quintal da casa...

Claro que a gente também sabe que a vida pode ser ceifada em qualquer idade. Afinal, criança também morre e velho pode demorar muito pra morrer! Essa naturalidade da vida parece uma contradição em si mesma, mas não é. Nós, humanos, é que não exercitamos nossa transitoriedade na terra à luz do DIVINO, do SAGRADO, do ESPIRITUAL. Preferimos, não raro, nos iludir com as benesses materiais e por conta disto, inventamos nossas próprias fantasias – cultura do corpo, acúmulo de riqueza, cirurgias plásticas, confortos e prazeres por todos os lados. Inversamente proporcional nos parece está a consciência de que somos mortais e que todos um dia retornaremos pra outra dimensão de vida. Mesmo assim, nos iludimos com o próprio tempo que inventamos e, didaticamente, dividimos para que nossa ilusão se ludibrie como se eternos fossemos. Diante disto, penso mesmo que minha mãe tenha razão quando fala que vive “fazendo de UM PÉ DOIS RASTROS” aguardando a morte chegar! Ela sabe que depois de 82 anos, a “boa idade” de que nos referimos é uma realidade; ela sabe que pouco lhe resta senão esperar a morte chegar. O único diferencial entre minha mãe e os jovens é que eles poderão “IR” primeiro do que ela sem aviso prévio! A invenção humana das fases da vida se contradita também nesse aspecto. Quando um jovem morre, invariavelmente a gente diz: “tão jovem”... Mas que bom que a vida é assim! Só que nós jovens e nem tão mais jovens, carregamos dentro de nós a ilusão de que temos que envelhecer para poder morrer.

Nada novo quando avocamos essas idéias. Mas elas precisam sempre ser ativadas para que nós não abandonemos os velhos, nem lhes outorguemos a pecha da BOA IDADE! Afinal, é uma grande contradição dos humanos saber que se somos jovens um dia poderemos ser velhos; e, quando velhos, não gostaremos de ser tratados como hoje tratamos os velhos que nos rodeiam...  Certamente os velhos de hoje ao nos olharem devem dizer: “quem tem com que me pague não me deve nada”...