"O esbarrão no violão, na colchoaria de "Seu Juca"(A Saga40)

Era chegada a minha vez. Betinho , meu irmão mais velho já tinha onze anos e trabalhava na Lapidação de rubís na oficina escondida no quintal da casa de Tio Zé Augusto que era dirigida por Zé Rêgo, o tocador de banjo e dava trabalho pros irmãos, vizinhos e parentes a quem ensinava o Ofício e tocava sua Oficina de fundo de quintal,que hoje seria denominada "Economia Informal". Disse que chegou a minha vez, porque passou a ser costume lá em casa , o garôto completar dez anos e ter que fazer algum tipo de trabalho que ajudasse no orçamento pra sustentar aquela "tropa" de Marido,Mulher e dez filhos, e eu acabara de completar os 10 anos;Pra Lapidação eu não levava jeito e até aquele zumbido estridente das pedras de rubí coladas na ponta de um bastãozinho de madeira,sendo lapidadas na roda de esmeril, me deixava nervoso e com "gastura". Meu pai lembrou-se então de "Seu Juca", seu colega aposentado da fábrica que começava a tocar uma colchoaria, tambem de fundo de quintal na primeira rua, no final do tobogan, perto do portão principal da Fábrica.

"Seu Juca", um velho magro e caladão me aceitou como ajudante e me mostrou o que seria meu primeiro emprego:Encher almofadas de Paina, pra fazer travesseiros;

Paina,pra quem não sabe, era um tipo de algodão tambem vegetal, mais fino, e quando manipulada enchia não só as almofadas,mas tambem as minhas narinas, com aquele pozinho branco; não era muito agradavel, mas era sossegado o galpão, silencioso e "Seu Juca" pagava 500 reis (tipo 50 centavos, na época) por cada almofada cheia, que suas costureiras depois arrematavam; no final da semana dava um bom trôco que dava pra ajudar na feira e ainda sobravam uns trocados pra matinê dos domingos, no Cine Floresta Velho, num bairro próximo;Meu turno na Colchoaria era só á tarde, pois pela manhã, tinha o Grupo Escolar.

Lá pelas duas da tarde, eu costumava dar uma paradinha, lavar o rosto, pra remover a paina das narinas e tomar um café com pão pra poder esperar a janta; Meia hora depois voltava á tarefa de encher as almofadas de paina tendo o cuidado de anotar numa cadernetinha a quantidade feita que era conferida por "Seu Juca" no final do expediente, ás cino hs da tarde. Já estava até gostando de fazer aquele serviço quando num daqueles descansos pra tomar café e lavar as narinas, encontrei um "Gibí" velho e fui me encostar na parede do fundo para ler, quando esbarrei em alguma coisa de madeira que caiu,pro lado e fez um som tão bonito que eu não tinha ouvido antes, assim tão perto;Era um violão, que alguem esquecera ou escondera na colchoaria, Peguei com cuidado botei no colo e passei o dedão nas cordas que estavam afinadas, pois o som era muito bonito; Dalí pra frente o ritual diário era, encher quantos travesseiros pudesse, tirar o pó das narinas, aguçar o ouvido e mexer no violão, encantado com a combinação de sons das cordas arpejadas simultaneamente; tinha um vizinho nosso chamado Zé Emílio um jovem de seus vinte anos ,mais ou menos que tocava bem violão e tinha um trio tipo Trio "Irakitan" com mais dois amigos,que eu conhecia das festinhas de aniversário;Encontrei Zé Emílio na rua e pedí na cara de pau que me ensinasse algumas posições no violão e ele, vaidoso, concordou em ser meu Professor; Eu aprendia com ele e praticava na Colchoaria, na hora do café, porque em casa não tinha violão...Assim que conseguimos comprar um violão usado, tratei de passar o que sabia pro Rubinho o irmão mais novo que eu um ano; Nesta altura eu já tinha conhecido o cavaquinho e descobrí que suas quatro cordas correspondiam ás quatro cordas mais finas do violão; Daí foi só adaptar o pouco que sabia no violão, pro braço muito menor do cavaquinho...Enquanto isto Rubinho desenvolveu bem no violão e com Betinho, o mais velho, esmurrando a lateral do guarda-roupa, fazendo de "Surdo", já dava pra fazer alguma coisa de Trio; Meu pai assistia a tudo com um sorriso no canto da bôca e "dava corda na pipa". Zé Afonso o irmão mais novo tinha apenas seis anos de idade quando viu o cavaquinho e atraido pelo tamanho do instrumento que parecia um brinquedo, foi chegando interessado e acabei ensinando a ele algumas posições, que tinha adaptado do violão.Daí a pouco tempo o garôto não é que começou a tocar as músicas do Waldyr Azevêdo, que eram sucesso nas rádios locais? "Pedacinho do Céu", "Vê se gostas" e outras; Alguns amigos dde meu pai,diziam que era reencarnação, aquela criança de seis anos, tocando chorinho no cavaquinho, e "Seu Constancio" ria de lado, todo orgulhoso...

Bom , não esqueçamos que eu havia aprendido gaita de boca sozinho, ao ouvir o mendigo Raul tocando e esmolando na rua;Betinho depois de quebrar a lateral do guarda-roupa de tanto esmurra-lo como se fosse um surdão, aprendeu a tocar pandeiro e passamos a ensaiar os quatro em casa quase que diariamente:Betinho no pandeiro; eu na gaita de boca; Rubinho no violão e Zé Afonso no cavaquinho;Meu pai começou a se aproximar dos ensaios e deu nome ao conjunto de "Os Mirins do Rítmo"Como nossa casa era de esquina e as portas viviam abertas, o som dos ensaios ecoava pelas ruas para deleite dos vizinhos que formavam verdadeira Plateia ao redor da casa.Na mesma "Rádio Guaraní"onde meu pai e eu tinhamos ganhado o programa de calouros com Saxofone e um par de colheres, havia agora aos domingos de manhã um programa chamado "Gurilândia"onde calouros- mirins se apresentavam, na maioria cantores... "Seu" Constantino, assim que soube disto foi lá, no meio da semana e nos inscreveu para apresentação num daqueles domingos.Após o sucesso da primeira apresentação, fomos convidados para nos apresentar todos os domingos no Gurilândia causando um certo ciume no maestro russo Maclerevsky que acompanhava as patricinhas de classe média que se aventuravam a cantar e ele fazia aquelas introduções enormes para mostrar serviço, nos números musicais das garôtas; Nós "Os Mirins do Rítmo" eramos os únicos que não dependiamos dele para nos apresentar,pois á chegavamos prontos e consequentemente, na nossa hora, não havia exibição de piano com introduções kilométricase "citações" dos Clássicos.O Russo Maclerevsky passou a nos olhar meio de lado como se a gente fosse alguma ameaça ao "estrelismo fora de hora" dele!

Aecio Flávio
Enviado por Aecio Flávio em 28/12/2006
Reeditado em 23/10/2007
Código do texto: T329744