Os ossos do frade


     Perguntei, e ninguém soube informar por onde andam os ossos do reverendo. Os ossos de frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio, um franciscano carioca, nascido em 8 de agosto de 1778.
    Frei Sampaio destacou-se como um astuto conspirador na luta pala  independência do Brasil. Muito ligado a Gonçalves Lêdo, lider do Partido Liberal, o frade  fazia oposição sistemática aos Andradas, defensores da Monarquia.
    Morava no Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro. O convento fica naquele pequeno morro em frente ao Largo da Carioca. Na sua cela, entre 1821 e 1822, ele reunia os conspiradores e promovia sigilosos e demorados bate-papos. 
     Homem de comprovada erudição, frei Sampaio foi, por seus contemporâneos, avaliado como um sacerdote de idéias progressistas.

        Brilhou como orador da Loja Maçônica (?), fundada pelo seu amigo Gonçalves Lêdo.  No episódio do "Fico", redigiu o manifesto do povo pedindo a D. Pedro que não voltasse pra Lisboa. 
     Segundo Viriato Corrêa, na história da emancipação política do Brasil, é obscura e indefinida "a retidão de caráter" do franciscano conjurador. Teria, em determinado momento da trama, aderido aos Andradas, traindo os Liberais e o companheiro Lêdo. Acusado de traidor, frei Sampaio recolheu-se ao seu claustro.
    E para sobreviver, passou a escrever, "por quatro mil-réis", belos sermões, alimentando uma freguesia de padres "que brilhavam à sombra do seu talento".
    Um ataque de apoplexia matou frei Sampaio na noite de 13 para 14 de setembro de 1830. 
 Seu corpo foi enterrado no chão silencioso do seu convento. 
    Considerando o que, para os liberais, o frade representara, velhos amigos da mesma luta política decidiram dar-lhe um mausoléu digno. 
Argumentaram, que seus restos mortais "não podiam ficar na obscuridade de um claustro". E em torno do cadáver de frei Sampaio criou-se um clima de amor e de profunda gratidão. 
A traição fora esquecida e o traidor perdoado.
     Para fazer a urna mortuária, foi escolhido um conhecido entalhador carioca chamado Adriano. O projeto do mausoléu teve, entretanto, sua execução adiada. Alegou-se, que a cova só podia ser aberta, quando o ilustre defunto fosse apenas ossos. 
     O tempo passou, e os amigos de frei Sampaio esqueceram de implementar o projeto. 
Até que um dia, um cidadão ligadíssimo ao ilustre reverendo morto decidiu, após respeitosa exumação, levar os ossos de frei Sampaio ao entalhador há muito escolhido. 
    Adriano recebeu os ossos.  Mas, surpreendendo a todos, avisou que só liberaria a urna, se o pagamento fosse à vista. Não dispondo da grana, o amigo do finado fez uma proposta: os ossos permaneceriam com entalhador, enquanto o dinheiro seria arrecadado. Adriano concordou.  O amigo do frei se despediu, e nunca mais apareceu.
     Anos depois, Adriano foi procurado por um médico, que queria uma urna para enterrar o pai. O entalhador contou pro doutor a história dos ossos de frei Sampaio. O médico, que estava escrevendo sua tese de mestrado, propôs ficar com crânio do frade, para ilustrar seu trabalho. Mas só a caveira.  Adriano insistiu, mas não consegui convencer o esculápio a levar o resto do esqueleto. 
     Adriano morreu. Sua oficina desapareceu, e com ela o que restou do esqueleto do capuchinho conspirador. 
     Em Terra de Santa Cruz, o escritor Viriato Corrêa, comentando o fato,  afirma que "os ossos do frade patriota extraviaram-se de maneira absolutamente cômica e ridícula". 
    Concordo com o irônico Viriato. E ainda me permito acrescentar que o convento seria, sem dúvida, o mais digno e o mais legítimo mausoléu do monge conspirador. 
Não tivessem tirado de lá seus despojos e hoje se sabia, com absoluta segurança, onde estavam os ossos de frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio. 
     Quando estive, recentemente, no Rio de Janeiro, subi a colina onde fica o Convento de Santo Antônio . Pretendia conhecer a cela de frei Sampaio que, segundo fora informado, continua preservada por seus irmãos de hábito. Não consegui.Tenho, pois, que me contentar com o que, sobre frei Sampaio, me contou o mordaz escritor Viriato Corrêa.
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 28/12/2006
Reeditado em 23/10/2019
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