Livros olorosos no futuro

     
Fim de férias. Netos indo embora. Tempo de voltar ao meu velho notebook.
     E sem perda de tempo, eis-me aqui confessando, publicamente, que gosto dos meus livros também por causa do cheiro que eles exalam!
     Quanto mais velhos, mais cheirosos. Poderia até dizer que é quando o mofo rescende perfumoso.
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     Tenho livros comprados há mais de cinquenta anos! Alguns eu os adquiri em livraias que nem existem mais; outros, nos sebos, que continuo frequentando, sempre que posso.
     
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     Um dia me disseram, em tom de indisfarçável gozação, que essa de gostar de livros pelo cheiro que deles trescalam, não passa de uma inominável idiotice.
     E que é pelo seu conteúdo, e apenas por isso, que um livro se faz desejado pelo seu dono ou pelo o leitor. Nenhuma novidade.
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     Seja como for, deixem-me, por favor, continuar gostando dos meus livros também pela fragrância que deles emanam. Não importando se de um cinquentenário mofo.
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     Outra coisa, e pasmem! 
     Sinto o cheiro do livro, a partir dos enredos e personagens bolados e nomeados por seus autores. E dou exemplos.
     Quando releio Gabriela  -  acho que já disse isso algumas vezes  - sinto suas páginas cheirando a caravo e a canela.
     Quando releio o Cântico dos Cânticos, sinto o aroma bíblico de Sulamita, e me faço um pecador...
     Um pecador bem maior do que aquele que Salomão poderia imaginar ao escrever e divulgar seus versos, destaques dos Livros Poéticos, no Velho Testamento.
     Lendo sobre o Paraíso de Eva e Adão, o cheiro de maçã é intenso. Mesmo não acreditando nesse episódio estranho contado  nos livros sagrados, apesar do seu lirismo.
     Faz pouco tempo, pesquisando sobre igrejas de Siena, em cada livro que consultava, sentia aquele inconfundível cheirinho de coisa muito antiga.
     Ora, vai nisso tudo, uma exacerbada dose de fantasia. E daí? Como viver sem ela? Me digam...
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     Reconhecer livros pelo seu cheiro, já admitia que tal virá a acontecer, o nosso Monteiro Lobato (1881-1948) em Mundo da Lua, publicado em 1923.
     Vejam o que ele escreveu: "No futuro, a obra literária será apresentada sob forma de essência em frasquinhos  ....  Sorvendo a essência  ...., o leitor terá, desdobrado na tela da imaginação, o romance que o autor enfrascou  .....  e sentirá as mesmas emoções que o romancista sentiu."
     E mais além, destaca o criador do Jeca Tatu: "Não se dirá como hoje: li um romance, e sim - cheirei."
     E ainda no mesmo texto, abrindo um diálogo: "Marieta, onde pôs você o Professor Jeremias que estive cheirando ontem?"
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     Observe o meu paciente leitor, que, nessa história de curtir o livro, a partir do seu perfume, não ando sozinho.
     Sem nunca ter lido a respeito, de repente encontro o Monteiro Lobato admitindo a chegada, no futuro, dos que chamo de livros olorosos. 
     Até o ano do seu aparecimento o amigo do Saci-pererê previu: 2527.
     Já estivemos mais longe...
     
     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 30/01/2012
Reeditado em 30/01/2012
Código do texto: T3471204