Os Segredos dos Vossos Corações

“Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.

Ele vos debulha para expor vossa nudez.

Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.

Ele vos mói até a extrema brancura.

Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.

Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma

No pão místico do banquete divino.

Todas essas coisas, o amor operará em vós

Para que conheçais os segredos de vossos corações

E, com esse conhecimento,

Vos convertais no pão místico do banquete divino.”

(Kalil Gibran)

Nem sempre recebo pessoas em meu enclausuramento, essa semana tive o meu silencio interrompido pela visita anual de um amigo,ele aparentemente não havia mudado quase nada,mas bastou sentar na mesa e começar a falar para eu perceber que sua mente sempre reflexiva estava mais uma vez perturbada pelas suas “ficções do interlúdio”.

- Preciso de um encontro com Cristo! - Disse-me ele depois de dissertar mais de meia hora sobre a monotonia da vida citando o livro de Eclesiastes.

Eu olhei para ele com um sorriso no rosto

- Onde ele está? Preciso vê-lo face a face, ter certeza que ele esta ouvindo minhas preces.

- já procurou no lugar mais óbvio – respondi.

- onde? – perguntou ele.

- Dentro de você mesmo...

Quando tinha cinco anos de idade minha mãe me levou a uma missa e eu me senti muito feliz ao ver o padre citando o evangelho, achava incrível a possibilidade do Deus criador do universo ter se tornado homem e habitar entre os mortais, depois daquele dia não consegui mais tirar Jesus “O Crisco, filho do Deus vivo” de minha cabeça.

Comecei minha procura por Cristo, mesmo antes de ser alfabetizado pedia a minha avó que me narrasse as historias dos santos da igreja e de Cristo. Procurei Jesus por todos os lugares e quando não consegui mais resposta sobre a real pessoa de Cristo na religião dos meus pais, abracei o protestantismo pentecostal, achava que aquele povo que se emocionava com seus hinos e pregações deveria ter um contato mais intimo com Deus. Dia após dia fiz minhas penitencias e sacrifícios de negar a mim mesmo com minhas próprias forças.Depois de muito tempo cumprindo rituais religiosos me deparei com uma verdade óbvia: Cristo não estava nos ícones e nos rituais,não estava nos sacrifícios e nem estava no “ouvir falar dele”.

Por muitos dias as interrogações tomaram conta de mim, os dias se tornavam anos e ainda eu não tinha conseguido ter um contato com Cristo além da religião.

O soneto “buscando a Cristo” de Gregório de Matos tornou-se meu hino:

A vós correndo vou, braços sagrados,/Nessa cruz sacrossanta descobertos/Que, para receber-me, estais abertos,/E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados/De tanto sangue e lágrimas abertos,/Pois, para perdoar-me, estais despertos,/E, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,/A vós, sangue vertido, para ungir-me,/A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me

A vós, lado patente, quero unir-me,/A vós, cravos preciosos, quero atar-me,/Para ficar unido, atado e firme.

E num estado de completa epifania percebi que eu estava sendo trabalhado para me tornar parte do pão no banquete divino e que Cristo estava no lugar mais óbvio, o templo não feito por mãos humanos - O coração daquele que creu.

Sirius Severus Frey, 12 de janeiro de 2012.