A rebelde Mary Ward

     Duas freirinhas, hoje pela manhã, chamaram-me atenção. Passava eu pela porta de uma igreja, quando as vi saindo do belo templo que homenageia um santo pouco badalado: São Dimas, o "bom" ladrão. 
     Por que as duas irmãzinhas conquistaram minha atenção: elas estavam de hábito! Vestidas, como dizia minha saudosa mãe, a caráter.
     Não consegui identificar-lhes a Congregação.
     Registrei, porém, que ambas vestiam um burel marrom-escuro. E, amarrando-lhes a cintura, um longo cordão franciscano, com os três nós.
     Elas haviam, por conseguinte, jurado fidelidade aos três votos assisianos: Pobreza, Obediência e Castidade.
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     Num determinado momento, imaginei-as deixando a igreja, depois de cumprirem alguma obrigação quaresmal.
     Tive vontade de chamá-las para, num ligeiro papo, confessar-lhes por que, há décadas, não recebo cinzas, na Quarta-feira santa.
     Achei melhor deixá-las seguir, quase não olhando para o mundo em que pisavam.
     Continuei na minha, mas certo de que havia encontrado, em plena Quaresma, duas freirinhas de outros tempos.
     Iguais a uma irmã minha que só tirou seu hábito seráfico quando decidiu "abandonar" sua Congregação, afastando-se, definitivamente, dos conventos; das clausuras; dos claustros.
     Mas nunca perdeu a Fé.
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     Cessada a balburdia carnavalesca, iniciei a leitura de um dos livros que selecionara para atravessar a Quaresma.
     Tenho em mãos, sob meus olhos, Uma Breve História dos Santos, do teólogo Lawrence S. Cunningham, professor da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos.
     O livro não conta pura e simplesmente a vida deste ou daquele santo. Vai muito além disso. 
     Vejam o que diz o Professor Philip Sheldrake, da Universidade de Durhan: "Lawrence S. Cunningham nos oferece, em poucas páginas, uma acessível, perspicaz, por vezes divertida, e ecumenicamente sensível história tanto do papel dos santos como das diferentes maneiras pelas quais a santidade cristã foi concebida e promovida." Disse tudo. Nada a crescentar.
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     Mas, a história de Mary Ward, contada  no livro do professor Lawrence, me encantou. Ei-la, em poucas linhas.
     Situando-a no tempo e no espaço: Mary nasceu na Inglaterra em 1586 e na Inglaterra morreu, em 1635.
     Descrevendo-a, Lawrence diz, textualmente, que a sua história "é um triste relato".
     Por que triste? Em 1606, Mary entrou na Ordem das Irmãs Clarissas de Sait Omer, na França.
     Em 1609, deixou a Congregação e fundou uma comunidade religiosa de mulheres.
     Por que deixara a Ordem? Mary queria uma comunidade - assuntem só - "...livre da supervisão eclesiástica, que só se submetesse à autoridade do papa, com liberdade para não ser obrigada à recitação do ofício diário e que também não tivesse de obedecer às restrições da clausura monacal."
     Fazer essas exigências, impor essas condições, em pleno século 17, para a Igreja, não teria cabimento.
     Que aconteceu com Mary Ward: em 1631, a Congreçação com a qual sonhara foi suprimida e ela aprisionada num convento de Munique. 
     Apelou para o papa, mas foi contemplada com uma relativa liberdade.
     Em 1639, voltou para Yorkshire, sua cidade natal, onde morreu no ano de 1645, sem ver sua comunidade aprovada pelo Vaticano.
     "Somente no início do século XVIII sua Congregação da Beatíssima Virgem Maria foi aprovada por Roma."
     Conclui o professor Lawrence lembrando que Mary não foi canonizada, mas era vista "por muitas pessoas como uma figura profética e uma defensora dos direitos da mulher na Igreja".
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     Hoje, as mulheres e suas Congregações religiosas são bem mais liberais. E bem aceitas pelo Vaticano. Mas ainda não chegaram ao que, no século 16, já sonhava a rebelde Irmã Mary Ward.
     
     

     

           
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 25/02/2012
Reeditado em 01/08/2012
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