Governo, lei e crime

À Zero Hora

Vamos observar o desenvolvimento de um município isolado. Espécie de célula viva que deveria ser evolutiva. A primeira decepção nasce sobre os lucros exorbitantes extraídos da terra. O ouro branco do arroz da lavoura produziu miséria e riqueza. Miséria e marginalidade. Miséria porque esse trabalhador do campo era trazido das periferias das cidades grandes. Exilados dos centros urbanos e distante quase trezentos quilômetros. Vivendo e trabalhando duramente em condições adversas. Trabalho flutuante e sem perspectiva. Alguns perdiam para a cantina todo salário depositado da alimentação. Pode-se imaginar a grande dor de um homem quase sempre com família no final do mês ao perceber todo o fruto do seu trabalho extinto pelas forças que empregou. Essa miséria do arroz ainda contava com os homens da exposição aos pesticidas lançados de avião, enquanto marcavam o terreno (sem proteção adequada) com uma bandeirinha. A história desses homens nunca foi contada. Tudo permanece em silêncio na grande zona rural verde e festejada.

Julguei que o Partido dos Trabalhadores se dedicaria a luta por melhoria sendo este fator um ponto de honra por melhores condições de trabalho no campo. Mas não. Ninguém avalia as condições de trabalho no campo. Aí sim parece intromissão do poder político na vida particular, porém a esquerda brasileira apostou na coerção dos costumes ligados a drogadicção nos grandes centros urbanos como um escapismo das manchetes.

A marginalidade cresce assustadoramente e com ela a impunidade. Nasce com elas a grande vila. Dentro delas os valores de coragem e força começam a se destacar pela presença de armas pesadas. Essas vilas se formam sem praça pública, sem posto de saúde, sem posto militar, sem correios, ou seja, sem a proximidade dos serviços de ordem civilizada. Espécie de nova cidade dentro da cidade sem lei, nem rei. Não foi a droga quem modificou os aspectos dessa realidade inicialmente. Foi o próprio modelo escravista de trabalho quem gerou o processo. A droga apenas consolou a pobreza mais ativa com sua promessa de prazer, sonho e lucro. Impossível de ser alcançado com o trabalho escravo reinante na área produtiva agrícola.

O que temos é a versão dos donos do poder que admitem uma espécie de subversão atualizada dos costumes para achincalhar com evasiva os fatos. Tem ao seu lado dominante o poder de polícia sobre a miséria nos ambientes que ela mesma semeou. A luta contra os costumes passou então a liderar a idéia de comando por parte do poder. Como se estivéssemos utilizando mal a liberdade adquirida após a ditadura.

O alcoolismo reinante na vida dos trabalhadores braçais que pereceram nas grandes lavouras de arroz era um tipo de drogadicção que a ninguém interessava. Supunham que sequer era droga. Outras drogas mais eficientes surgiram impulsionando um mínimo de alegria a desgraça.

Destaque-se: milhões de drogados não são marginais. Vieram então as ações draconianas vigentes. De nada vale o discurso proibindo esse consolo. Menos ainda as leis vetando o seu uso. Elas estão ligadas ao sonho do direito individual no que tange a busca da felicidade de algum modo como quem busca na farmácia um antidepressivo.

Hoje as vilas estão repletas de trabalhadores da construção civil que sofrem a marginalidade inserida no mesmo processo.

Nesta cidade pequena que poderia ter quatro carros de polícia circulando sem que nenhum caso criminal com morte e derramamento de sangue escapasse da lei todos convivem com criminosos impunes nas ruas como se fosse normal, de tal forma que as vitimas ficam soterradas na indiferença quase como culpadas do delito.

Se abrissem mão da perseguição aos costumes teríamos um maior endurecimento na luta contra o homicídio e nunca o desvio atual dessa ação padronizada da moral. Tínhamos que ter uma polícia forte para crimes bárbaros. Mas o que temos? Temos a versão desoladora do soldado que lamenta: a gente prende e a justiça solta. Correm um valoroso e heróico risco de vida para prender. Vem o advogado e liberta o homicida que sai condenado e rindo pela porta da frente do fórum. Diante disto o que temos é uma fuga para a obsessão moralista dos setores religiosos que depositaram na drogadicção o mal do mundo. A drogadicção está sendo defendida por bandidos porque o preço valorizado do risco justifica o mercado ilícito cada vez mais valorizado pelas forças de repressão.

Novas vilas são criadas com dinheiro do governo. Temos então casas amontoadas, sem praça, sem posto de saúde, sem posto militar, sem a presença social das melhores referências, sem urbanismo, sem arquitetura. Tudo o que vamos ter no futuro próximo é um acréscimo de muitas estrelas no discurso, além de uma voz cínica dizendo: antes eles não tinham nada.

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Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 22/03/2012
Reeditado em 22/03/2012
Código do texto: T3569090
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