MARGENS DO RIO ÁSPERO

O que é a vida, se não um traste minimalista de tristezas?

Nesta tarde gris, Thaís – menina – curte a morte do amado, o mistério dos sentidos descoberto aos dezessete anos.

Tem um gosto amargo o traste corpo de meus cinqüenta e picos, o triste traço de quem sabe de que, na vida, o que sobra é esta flor do tempo – a Amizade – e o recorrente abraço, nesta hora em que as flores de papel e lata escondem-se, juntinhas, à sombra das velas, para chorar o réquiem por Ricardo Ramos, o Lilico, 21, um mero noticiário em um canto qualquer de jornal relatando a vida, margens deste rio áspero.

Enquanto mulheres (sempre as heroínas do amar), Suelly, a avó, Elvira, a mãe, e Samanta, a amiga solidária de três gerações, conversam na sala da televisão e entretecem o que a novela global do nobre horário rumina sobre os ritos ocidentais e orientais do amar.

Deslizam no meu pensamento os rituais das teias do amor, seus enlaces e desenlaces. Ora uma, ora outra face.

No aposento ao lado, o corpo de Thaís é um triste traste sobre o link virtual onde o digimau faz suas vítimas, a gritos, tiros e facadas. De uns trinta anos para cá, há sempre um vídeo à frente de nossos olhos e o olho eletrônico nos observa.

Afinal, “o primeiro sutiã a gente nunca esquece”, diz o publicitário.

Mais tarde, quando o capítulo terminar, e o quadro da TV estiver morto, restará apenas a história precária do que somos: um traço na paisagem e o toque de silêncio anunciando que a passagem se cumpre em todos nós, virtuais ou não.

A vida copia a arte e a técnica, enfim. Com todos os toques surrealistas.

É final de primavera, quase Natal, e o sol tímido, que a tudo espia, pisca o olho no horizonte, como a dar passagem ao mistério do amar em outra dimensão. Num repente, é rútilo aço polido, brilhando como uma nave espacial.

E em Tristesse, o espírito de Chopin, sempre vivo, mas inquieto e temeroso, rumina o coração dos viventes. Parece que o determinismo juntou o som do rádio e os relatos.

A conversa dos que ficam - mais do que nunca - traça arabescos sobre a vida no riso sarcástico da morte.

Poucos se apercebem que o viver é também o continente da morte. O desfecho do que não queremos tomar conhecimento.

É esta a outra ponta do fio de linha entre o nascer e o morrer.

Nada mais.