O MENINO E O LEÃO

Hoje eu vi um menino de rua. Ele dormia. Mas não dormia de qualquer jeito, não. Não dormia debaixo de nenhum viaduto, ou numa calçada coberto por folhas de jornal ou papelão, como tantos que vemos por aí. Dormia descoberto, apesar do friozinho que já fazia nas noites de começo de outono. Mas aquele menino não sentia frio porque dormia de um jeito muito especial. E sentia-se muito mais agasalhado do que se estivesse sob as finas e esburacadas cobertas do seu barraco na favela. Ele dormia no colo de uma enorme estátua. Era a estátua de um leão. Era triste e emocionante de se ver. Quem passava na rua parava para olhar. E parava para pensar. Era o corpinho pequeno, quente e vivo do menino repousando sobre a pedra enorme, gelada e morta do corpo de um leão esculpido em mármore. Aquela silenciosa e inusitada cena dizia muito, dizia tudo. Dizia o que aquele menino procurava, indo aconchegar-se às patas frias de um leão-estátua. Procurava o colo que a mãe nunca podia lhe dar em seu barraco lotado de irmãos menores amontoados num colchão duro. Procurava a proteção do pai que jamais conheceu. Procurava o carinho que sempre lhe fora negado por ser pobre, por viver pelas ruas tentando ganhar algo para comer. Algo que não fosse o pão dormido com o café fraco que às vezes tinha, às vezes não, em seu barraco na favela. Por isso preferia a rua. Preferia o leão de pedra. Em sua imaginação, aquele leão representava sua segurança contra quem tentasse lhe fazer algum mal ali, naquela selva de pedra que era a rua. Sim, ali entre suas patas frias e imóveis, ele era poderoso! Dormia sob a proteção, o carinho e o aconchego do Rei. Quem poderia lhe fazer algum mal? – pensava, em sua enorme inocência, ou viajando em seus sonhos.
A verdade é que quele menino dormindo entre as patas da estátua me deu um nó na garganta. Até onde pode chegar a carência? Não a carência de pão: a de carinho. Não a carência de comida: a de aconchego. Não a de doces, balas ou brinquedos: a de ternura, de proteção e de afeto. Em meio a tantos que passavam por ele nas ruas e – como se ele fosse invisível – nem olhavam, nem sequer percebiam sua existência, em meio a tantos corações quentes bombeando sangue, batendo apressados sempre em busca de algo, sempre a caminho de algum lugar... uma fria estátua o acolheu. Ali, encolhido, enroscado nela, sentia-se em segurança. Um leão o protegia das dores e das maldades do mundo. Um leão de pedra, é verdade. Mas... um leão...!