Dona Cobra

                A minha cidade natal é uma típica região de mata atlântica, de onde corre um manancial de águas cristalinas, que abastece, até hoje, grande parte da população da capital do Estado. Lá há uma boa área de mata nativa, com inúmeras preciosidades da flora e da fauna.
               Lembro-me que estudamos, primeiro eu, depois meu irmão caçula, sobre os ofídios, e dentre os quais destacamos a COTIARA, ou CUATIARA “também chamada de URUTU CRUZEIRO, por possuir em sua cabeça, uma cruz. Serpente venenosa da família dos viperídeos (Bothrops alternatus), com até 2 m de comprimento, corpo marrom com manchas pretas em forma de ferradura, alto da cabeça marrom-escuro com estrias claras, formando uma espécie de cruz e lado ventral branco com manchas pretas”,. É, de fato, nós éramos alunos aplicados.
               A danada da cobra, é mais venenosa que a Cascavel (Crotalus durissus). Dizia lá no livro grande de capa vermelha, da biblioteca municipal: - Urutu quando não mata, aleija – e eu jamais esqueci desse comentário.
               Em nossa família, o pavor de cobra é generalizado, tirando o pai, caboclo destemido e valente de matar a cobra e mostrar o pau, os demais, todos um “cagões” de medo de cobra, mesmo que seja aquelas caninanas (Spilotes pullatus), papa-pinto, que se sabe têm medo de gente e não possui fossas lacrimais e cabeça triangulada, que caracterizam as serpentes venenosas. Cá eu, tenho medo até de minhoca, tanto que só pesco se for com isca de pão, nem quero saber se a serpente é venenosa, eu quero é distância dela, se bem que ando a desviar dos tais ANZÓIS, ultimamente, com medo de ser mal interpretada, de novo. Mas isto é conversa para uma outra hora.
               Bem, voltando ao meu “causo”, eu, minha mãe e meu irmãozinho costumávamos passar as férias na casa de outro irmão, mais velho, que morava com a família da esposa em uma grande chácara, nos arredores da vila.
               Como não havia nada de mais interessante para se fazer, mamãe e meu irmão acompanharam uma troupe que foi ao mato, recolher cascas de pinheiro e galhos secos, muito bons para iniciar o fogo.
               Eles foram todos, creio que em número de oito adolescentes mais a mãe, na carroça, puxada por dois cavalos, seguindo por um caminho que mal dava para a passagem do carro.
                Eu não estava junto (que pena !). Quando foi à tardinha, lá chegaram eles me contando o sucedido, que, chegaram a uma clareira, colocaram os cavalos em descanso, e passaram a recolher as cascas dos pinheiros e madeiras secas. Há casca de pinheiro que chega a um metro de comprimento, pois tem algumas árvores que têm mais de 30 m de altura. Coisa linda de se ver um pinheiro altaneiro, numa clareira. Eita! Que arvore linda é essa Araucaria angustifolia, do chão do meu Paraná.
                Mamãe me contava, meio branca de pavor, o que ocorreu, quando o Celso puxou uma “cascona” e lá estava ela, enrolada e com a cabeça em pé, pronta para o bote. - O Celso, coitado do rapaz – dizia a mãe – travou uma luta quase corporal com a dita cuja, pois a medonha dava botes tão altos, que quase põe os cavalos prá correr – Em verdade, foi mesmo uma luta desigual, e o machado venceu, esfacelando a cabeça e a cruz da medonhenta.
               Meu irmãozinho veio me trazendo a cobra, pendurada num pedaço de pau, como um troféu. Seus olhinhos brilhavam e ele se aproximava sorrindo. Eu, da minha vez, vendo que a cobra estava já bem morta, fui correndo ao seu encontro, tentando ver os detalhes que identificariam a vítima: - Olha só, presença das fossas lacrimais, cabeça em forma de triângulo. Veja aqui, as marcas em forma de ferradura. E a cruz ? Foi dizimada no sacrifício do pequeno contra o grande, que na dúvida e, diante do medo, não hesitou em ser o herói de minha mãe naquele dia.       
                Enterramos a cobra, e lá jaz uma URUTU CRUZEIRO que não aleijou ninguém.
Lili Maia
Enviado por Lili Maia em 22/07/2005
Reeditado em 09/01/2008
Código do texto: T36785
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