E os artistas? Cadê eles?

                              ...Entonce o rocêro,
                              pensando consigo, 
                              Diz: isso é castigo!
                              Não chove mais não!

                                        Patativa do Assaré

    1- Confessei em algum lugar, ou em muitos, minha incontida paixão pelas músicas do Luiz Gonzaga.Tenho uma infinidade de CDs do saudoso Rei do baião.
     Gonzaga cantou as belezas do sertão nordestino e todo mundo sabe disso. Mas não deixou de criticar os governantes que esqueciam os nordestinos, principalmente em tempos de seca braba. Como agora. 
     Assim aconteceu, por exemplo, no ano de 1953: com o pernambucano Zé Dantas, o médico compositor, ele entregou ao Brasil a belíssima toada Vozes da Seca.
     Nessa canção, ressalta a escritora Dominique Dreyfus, Luiz Gonzaga "criticou o paternalismo dos governantes", todas as vezes que a seca arrasa o sertão.
     Governantes que aproveitam as longas e devastadoras estiagem para dar esmolas (!?) ao povo do nordeste, humilhando-o.
     
           Seu doutô os nordestinos
          Têm muita gratidão
          Pelo auxílio dos sulistas

          Nessa seca do sertão
         Mas doutô uma esmola
         Para um homem que é são
        Ou lhe mata de vergonha
        Ou vicia o cidadão.

     2- Nos tempos de hoje, as coisas não mudaram o bastante para afastar de vez o condenável e nocivo paternalismo, no chamado polígono da seca!
     Vira e mexe, e a gente escuta que este ou aquele governante se apropriou das verbas destinadas a combater os efeitos das secas.
     A única diferença é que, agora, se faz tudo de forma sofisticada; sem deixar rastros. De repente uma "batida" policial descobre e denuncia o escândalo. Mas, quase sempre, ninguém é punido.

     3 - Sem sair do cenário da seca, queria fazer uma ponderação que certamente não agradará a muita gente; principalmente ao pessoal do "mundo artístico". Mas pouco me importa que A ou B se sinta atingido pelo que vou dizer.
     Vamos lá. No seu livro Vida do Viajante - A saga de Luiz Gonzaga - por sinal uma das mais belas e completas biografias do filho de Januário -, Dominique Dreyfus destaca o seguinte:
"Apesar de Luiz Gonzaga e Zé Dantas serem os primeiros a dar a famosa esmola aos nordestinos, organizando campanhas de ajuda para os flagelados, recolhendo dinheiro, roupa e comida que mandavam para o Norte, estavam conscientes de que a solução não era essa..."
     A esmola - palavra que eu não usaria - chegava aos flagelados mas, como frisou a escritora, fruto das "campanhas de ajuda" promovidas pelo sanfoneiro maior do Brasil, contando sempre com a colaboração espontânea de outros cantadores e compositores.

     4 - Diria  que o exemplo de Luiz Gonzaga deveria ser seguido, sem hesitações e de forma incondicional, pelas estrelas da música popular do nordeste, e que, neste exato momento, encantam a "galera" em mega-shows pelo Brasil afora.
     A realidade, porém é outra!
Ainda não ouvi que a Ivete Sangalo, a Cláudia Leite, a Daniela Mercury e o Bel do Chiclete com Banana, os quatro mais badalados artistas da Bahia, tenham procurado seus colegas do sul, propondo-lhes a realização de shows em benefício dos flagelados nordestinos.
     Não seria o caso de se perguntar: E os artistas? Cadê eles?
     Num "Show da solidariedade" - chamemos assim - realizado em Salvador, Recife e Fortaleza - as principais capitais da seca - reunindo num único palco as estrelas baianas e outros astros da MPB, será arrecadada não só uma boa grana como comida, remédios e roupas pros castigados pela Natureza.
     Usando a voz que Deus lhes deu, esses sortudos ajudariam a minorar o sofrimento dos brasileiros, vítimas da braba seca. Brasileiros que nunca lhes negam aplausos, chova ou faça sol. 



      
     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 04/06/2012
Reeditado em 05/06/2012
Código do texto: T3704892