Para casar é preciso existir

O pequeno Alberto seguia ao lado do pai, tentando aprender a viver. Se você, Alberto, morasse distante, muito afastado do lugar onde nasceu, e desejasse contrair matrimônio com a Verinha do Macedônio… Interromperam o diálogo para dar passagem ao carro na rua. Verinha, aquela beleza de coxas grossas, que você anda paquerando… Deveria solicitar a segunda via da Certidão de Nascimento. Teria que provar que nasceu outra vez ao custo de cinquenta e quatro reais mais o dinheiro do envio.

Agitou-se nervosamente. O pai sabia que ele era tarado pela filha do Albuquerque. Desviou os olhos dos pardais em pleno banho de areia e perguntou ao pai em tom filosofal: este valor muda de região para região? Fez-se um devotado silêncio atalhado apenas pela certeza: Alberto, Alberto… Você é novo ainda para conhecer o sistema nacional. A prova de que nasceu em determinada comarca ainda tem limitação quanto ao prazo de validade. Noventa dias. Depois expira, mesmo que você siga vivendo.

Alberto estava começando a ficar nervoso. Teria que voltar para casa após o almoço precisava estudar para a prova de matemática. Estudar por quê? Se jamais mudaria o mundo errado. Devia ter se dedicado ao futebol.

Desviou os olhos dos pardais em pleno banho de areia e perguntou ao pai em tom filosofal: este valor muda de região para região? Fez-se um devotado silêncio atalhado apenas pela certeza: Alberto, Alberto… Você é novo ainda para conhecer o sistema nacional. A prova de que nasceu em determinada comarca ainda tem limitação quanto ao prazo de validade. Noventa dias. Depois expira, mesmo que você siga vivendo.

Alberto estava começando a ficar nervoso. Teria que voltar para casa após o almoço, precisava estudar para a prova de matemática. Estudar por quê? Se jamais mudaria o mundo errado. Absolutamente devia ter se dedicado ao futebol.

Sentaram-se um pouco no banco da praça apreciando os passantes. O pai prenhe de oratória ergueu molemente o braço espantando uma pomba cor de telha. Prosseguiu: Para ter certeza de que o cidadão não é casado em Campinas, Porto Calvo ou Novo Hamburgo ao mesmo tempo. Foi o que explicou com dificuldade o tabelião. Tudo isto parecia-lhe vergonhoso. O moleque que não era bobo e sonhava previamente casar com as coxas de Verinha resolveu entrar de vez no assunto. Se um noivo fosse casado em três estados diferentes acaso não seria punido devidamente pela legislação vigente? Sim, filho querido. Punido por poligamia, danos morais e outras cabeludas convicções legais. O diabo do garoto continuou inquirindo e com disposição para demolir toda convicção sobre o tema. Não seria de se pesquisar através da ‘internet’? Seria inteligente ter um cadastro nacional para pesquisa ‘online’ com nome de todos os cônjuges? Não. Por que teria que desembolsar esse dinheiro para espanto do mundo civilizado? Provar que nasci várias vezes para poder casar… Ora, chutou o chão para sublinhar a frase lapidar: assisto South Park.

Ambos pensaram em Verinha em silêncio. Em caso de matrimônio por gravidez avançada o Albuquerque protestaria sua honra em cartório, refletiu o garoto que assistia South Park. O velho então revelou com firme tranquilidade: Sempre pensamos que Certidão de Nascimento fosse documento perene. No centro da praça um homem com livro preto na mão começou a gritar o nome de Jesus histericamente. Albuquerque lembrou daquela noite no fundo do pátio com Verinha em meio ao bambuzal sofrendo seus melhores beijos ao som trinado das cigarras ensolaradas. Nunca imaginou que precisasse algum dia de nova documentação para comprovar a própria existência.

Estava aflito, acabara de confessar sem querer o incidente no bambuzal. O velho pai continuava falando a esmo: Será que um dia vamos reorganizar nossa sociedade para manter com o Estado uma sensação de paridade? A indagação começava a afligir sua alma de primeiro amante. O pai sempre falando, falando. O Ministério da Desburocratização durou de 1979 a 1986. Puseram-se a rir a bom rir sem saber muito bem a razão.

Ambos pensaram em Verinha em silêncio. Em caso de matrimônio por gravidez avançada o Albuquerque protestaria sua honra em cartório, refletiu olhando para a cara redonda de Eric Cartman. O velho então revelou com firme tranquilidade: sempre pensamos que Certidão de Nascimento fosse documento perene. No centro da praça um homem com livro preto na mão começou a gritar o nome de Jesus histericamente. Albuquerque lembrou daquele dia no fundo do pátio com ela em meio ao bambuzal sofrendo seus melhores beijos ao som trinado das cigarras ensolaradas.

Nunca imaginou que precisasse algum dia de nova documentação para comprovar a própria existência.

Estava aflito, acabara de confessar sem querer o incidente no bambual. O velho pai continuava falando a esmo: será que um dia vamos reorganizar nossa sociedade para manter com o Estado uma sensação de paridade?

A indagação começava a afligir sua alma de primeiro amante. O pai sempre falando, falando. O Ministério da Desburocratização durou de 1979 a 1986 considerou longe de tudo. Puseram-se a gargalhar sem saber muito bem a razão.

Zombamos sempre. Escarnecemos das coisas sérias e infelizes deste país. Até do noticiário brincamos… Gracejamos da exploração das nossas vidas insensatas, da desburocratização que ficou no direito de não utilizarem gravata e paletó no Congresso. Pilheriamos da vez com Verinha… Até que o velho Pai compreendeu os fatos. Empalideceram diante da possibilidade da filha do Albuquerque, seu chefe, estar prenhe do pequeno Alberto.

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 11/06/2012
Reeditado em 22/06/2020
Código do texto: T3717868
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