Cadê o processo?

          No dia 5 de agosto de 1806, há, portanto, 106 anos, nascia no Ceará Jose Antônio de Maria Ibiapina. Ou simplesmente padre Ibiapina. Para que a data não passe in albis, aqui estou a festejá-la como posso.
Quem mora em Fortaleza, desse padre sempre tem notícias. Sabe de quem se trata. A uma rua da capital cearense deram-lhe o seu nome. Uma homenagem justa a um homem que se destacou como advogado probo, vigoroso, culto e depois como um irrepreensível missionário católico.
Poderia até dizer que poucos são os cearenses que não sabem quem foi o padre Ibiapina.
Não faz muito tempo, a bordo de um taxi em São Paulo, descobri que o motorista era um cabeça-chata. Morava há mais de vinte e cinco anos num distante bairro paulistano; Vila Sônia, se não estou enganado.
Imediatamente me identifiquei como seu conterrâneo, e foi aquela alegria.
Em meio a um papo descontraído e bem nordestino, ele me disse que seus familiares - pai, mãe e duas irmãs - continuam morando em Fortaleza, na Rua Padre Ibiapina.
Aproveitei para testar seus conhecimentos sobre o padre que dera nome à rua onde seus pais residem. Não é que o ilustre pai-d´égua  conhecia muita coisa sobre o Peregrino da Caridade?

          Estas linhas, portanto, vão para aqueles que não tiveram a felicidade de nascer na terra de Iracema. Esses pouco ou nada sabem sobre Ibiapina, padre e advogado, e candidato a santo.
Em outra crônica, que anda solta por aí - dia desses a encontrei no Google -, falei do José Ibiapina, o sacerdote. Pus em destaque suas qualidades de bom pastor e de fiel servidor da sua Igreja, a Católica Apostólica Romana.

          Não gostaria de voltar ao assunto. Não que ele esteja esgotado. Não e não. Ainda há muito o que se escrever sorbre esse modelar missionário, segundo o historiador Océlio Teixeira, "o maior cearense do século XIX".
Mas para não dizer que passei ao largo, vejam, em síntese, o que o padre Ibiapina fez durante o seu pastoreio em cidades do Ceará, Paraíba e Pernambuco.

          Nem se falava em Teologia da Libertação e Igreja dos pobres, e ele, enfrentando as dificuldades da sua época, fez sua opção pelos humildes, agindo e não apenas prometendo.
No sertão nordestino construiu igrejas, cemitérios, casas paroquiais, cacimbas, canais deágua e hospitais.
Há provas robustas de que ele foi o fundador das Casas de Caridade para acolher jovens órfãs. Nessas Casas elas recebiam educação, instrução e uma profissão. Saíam prontas para enfrentar o mundo com dignidade.

          Mas Ibiapina, o advogado?
Recebeu sua Carta de Bacharel em Direito no dia 9 de outubro de 1832, expedida pela Academia de Ciências Sociais e Jurídicas de Olinda, Pernambuco. Exerceu sua profissão com exemplar lisura e competência. Sua atividade forense destacou-se pela defesa das causas dos menos favorecidos. Num sertão onde imperava o bandoleirismo liderado por famílias influentes e politicamente poderosas.
          Ibiapina não se acovardou. E logo ganhou fama como criminalista. Honrou a tribuna do Júri nos Estados dem que atuou, fazendo memoráveis defesas de clientes sem grana para pagar honorários advocatícios.
Viveu um momento de glória quando, no foro da cidade paraibana de Areia, defendeu os agricultores Antônio Nunes de Souza e João Caetano do Nascimento, acusados de tentativa de homicídio contra João Marinho Falcão, absolvendo-os.
Um poeta do povo, cantando sua atuação nesse embate forense, botou na boca do doutor Ibiapina estes versos: "Eu apenas fiz no júri/ O que Deus manda fazer."
Foi Juiz de Direito. Destacando-se pela retidão dos seus atos, sabedoria e coragem à frente da Comarca de Quixeramobim, idos de 1834, num período de turbulência local, envolvendo três famílias tradicionais daquela simpática cidade do interior do Ceará, à época chamada Campo Maior.
"Não se limitou a julgar, mas incorporou aos deveres de juiz de Direito as funções voluntárias de defensor da cidadania..." disse sobre ele F. Sadoc de Araújo, um dos seus biógrafos.

          Mas Ibiapina queria mesmo era se padre.
Assim, no ano de 1850, abandono a beca. Tinha 44 anos de idade. Ordenado no dia 3 de agosto de 1853, iniciou imediatamente sua peregrinação pelos lugares mais distantes e escondidos do sertão nordestino, fazendo o bem. Somente o bem.

          Ouvi dizer, que desde os tempos do Papa João Paulo II, o Vaticano tem sido menos rigoroso nos processos de beatificação e canonização. A
          A rigor, não mais seriam exigidos milagres dos candidatos aos altares, mas a comprovação inequívoca de que eles, na sua passagem por aqui, fizeram  bem, sem nada querer em troca.
          (Diz o professor Geoffrey Blainey, in Uma breve história do cristianismo, que João Paulo II "buscou homens e mulheres que viveram em tempos recentes e eram merecedores da santidade." Certo de que  "um santo do século 20 é muito mais inspirador, para os jovens católicos, do que outro que tenha vivido muito tempo atrás.")
           Há dezenas de anos, tramita no Vaticano o processo de beatificação ou canonização do padre Ibiapina, já reconhecido um "Servo de Deus" (Doc. Nihim Obstat - 18.2.1992) pela Santa Madre Igreja.
Diferente do padre Cícero Romão Batista, que sempre teve a cobertura da mídia, desde os seus tempos de vigário do Juazeiro do Norte, Ibiapina nunca mereceu da imprensa, a da sua época e a d´agora, o reconhecimento de seu eficiente e santo pastoreio. Por isso, o padre Cícero vai primeiro.

     "Sanctus Ivo erat/ Advocatus, et non latro" - Santo Ivo era advogado, e não ladrão: assim a Bretanha saudava seu ilustre filho, canonizado em 1303. A Igreja fê-lo Padroeiro dos Advogados.
Resta requerer a intercessão do padroeiro em favor pelo menos da beatificação do seu nobre colega.
Padre Ibiapina morreu no dia 19 de fevereiro de 1883, depois de viver, como sacerdote e advogado, praticando uma das Virtudes Teologais: a Caridade. Não é tão fácil fazer caridade.
Por tudo isso, a Igreja Romana não pode esquecer o Apóstolo do nordeste. O Ceará quer vê-lo nos altares ao lado do padre Cícero. 
Mas cadê o processo?

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 02/08/2012
Reeditado em 05/08/2012
Código do texto: T3809556
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