A POLÍTICA DA SOBREVIVÊNCIA (Com nada menos que um bom projeto, faz-se a política da sobrevivência.)

Chorou-me a alma gotas de hormônio, o hormônio da compaixão. Foi isso, exatamente, o que senti! Eram apenas oito horas da manhã, daquele sábado, o transporte coletivo rumava cheio para Goiânia. Como muitos não costumavam comprar suas passagens com bastante antecedência, cinco senhoras ali tumultuavam o compartimento anticatraca. Eu também estava ali, mas a imprudência não era meu caso. Elas infelizmente estavam impedindo qualquer acesso ao interior do veículo, que, bastava um solavanco, cabia mais alguns. Até que elas tinham boa vontade, mexiam-se tentando facilitar, mas não adiantava, o corredor era muito estreito, e como cada uma tinha um bebê nos braços, não podíamos fazer muita pressão, até porque, o cheiro nauseabundo, que combinava com a sujeira de suas vestimentas, nos repeliam. Pés descalços e sacolas a tiracolo que podiam esfregá-las no chão sem nenhum ressentimento. Sem revelar os falatórios característicos daqueles que tinham pressa, e se sentiam impedidos de passar, vou dizer apenas, que tive de reclamar também com algumas sugestões. Depois de muito custo, consegui rodar a “catraca” e no interior do ônibus, agora, já, mais confortávelmente, pude observar melhor àquelas cinco senhoras, que depois de uma pequena e rápida conferência, tomaram uma atitude para combater um inimigo comum: passar a catraca sem pagar e resolver, de vez, aquele problema. Continuei observando, quando uma movimentação, produto do amor materno, tomou conta daquele espaço, chamando a atenção de todos. Primeiro uma segurou duas crianças enquanto sua colega passava, e esta, ao conseguir se arrastar por baixo, retribuiu o favor para que aquela fizesse o mesmo. Porém, as outras preferiram caminhos diferentes. Pularam a roleta ou se espremeram na lateral interna do ônibus! Quando a última passou, olhei para o final da “nave”, e todas estavam sentadas! Como conquistaram os assentos numa fileira só? Que projeto bem elaborado!

De uma forma bem discreta, comecei a olhar para as serenas criancinhas nos braços de quem parecia sua mãe de verdade. Mas, elas não precisavam saber disso. Fui eu quem imaginou, porque, a olho nu, não se pareciam, nem um pouco, com as suas respectivas amparadoras. Uma menina chorou, e recebeu uma mamadeira vazia na boquinha! Que mãe é essa? Todos os bebês com mais ou menos o mesmo tamanho! Que coincidência é essa?

No destino final, todos os estranhos se perdem, refiro-me, não só ao desembarque da tripulação heterogênea que chegou à seu alvo, mas, pensando, também, na fusão dos distintos em algum momento no etéreo. Se é que os opostos se atraem!

No dia seguinte encontrei, na feira de domingo da pacata Senador Canedo, uma daquelas senhoras pedindo esmola, e a criança que ela conduzia não era a mesma que levava naquele ônibus. Não dei centavo algum, mas esperei que outros dessem na mesma fé daqueles que cederam seus assentos no ônibus: cenário do ontem. Com nada menos que um bom projeto, faz-se a política da sobrevivência.