UM ASSALTO PECULIAR

No meio da viagem, dois homens acima de qualquer suspeita para o consenso de uma sociedade preconceituosa dão voz de assalto. Um deles tinha talvez uns quarenta e cinco anos. Usava roupa elegante, relógio discreto e falava com serenidade. Levantou-se do último banco daquele ônibus interestadual de luxo, ao mesmo tempo em que seu comparsa, bem mais moço e não menos elegante se levantou do primeiro banco. Ambos empunharam pistolas tão bem polidas e vistosas, que talvez não fizessem medo, se aquele gesto quase coreográfico não fosse acompanhado pelo discurso do primeiro assaltante. Ele falou do seu desejo de não ferir ou matar ninguém, mas da sua disposição de fazê-lo, caso alguém fizesse a menor menção de reagir ou tentar esconder os pertences. Queria dinheiro, possíveis joias e a total colaboração de todos.

Apesar do aviso, um passageiro da quarta ou quinta poltrona cedeu à inquietação, por estar muito nervoso. Tentou dizer algo e não conseguiu, pelo que passou a tremer e a provocar algum rebuliço no ambiente. Sem nenhuma demora o assaltante mais moço apontou a pistola para o passageiro em questão e teria feito o disparo, se não fosse por algo inusitado: Ao olhar atentamente a face daquele homem franzino de sessenta ou mais anos, espantosamente o moço recuou, fez questão de acalmá-lo e disse que não o mataria de modo algum. Ao ser indagado pelo comparsa estupefato, que por um momento abriu mão da elegância e perguntou aos gritos, do que se tratava, respondeu simplesmente que o passageiro em pânico foi seu professor.

Depois de tudo aquietado, é claro que na medida do possível, o mesmo assaltante avista outro rosto aparentemente familiar numa poltrona mais afastada. Espreme os olhos para confirmar a suspeita e se aproxima. Quando se assegura de que realmente conhece o indivíduo de meia idade com expressão segura e totalmente controlado, quem se descontrola é o bandido: Encosta sua pistola na cabeça do infeliz e ameaça detonar. O assaltante mais velho fica irritado, manda o comparsa parar com aquilo e decide que as coisas estão muito complicadas; portanto, para o alívio de todos, ambos descerão do ônibus sem realizar o assalto. Ninguém entende nada, mas quem haveria de pedir uma explicação?

Lá fora, em um canto qualquer, alguém teve que se explicar. O assaltante mais velho, cuja experiência devia desconhecer situação semelhante, já sem nenhuma compostura sacudiu fortemente o companheiro de crimes e lhe perguntou que palhaçada foi aquela. Que ele poupasse a vida do passageiro inquieto, só por ter sido seu professor, dava pra entender, mas que desejasse matar o outro, que nada fez para enfurecê-lo, e cujo comportamento colaborava com eles, aí não! Tinha que haver uma explicação plausível! Se não houvesse, as coisas podiam ficar feias entre os dois, que perderam tanto tempo e saíram de mãos vazias, de um ônibus que estava cheio de “bacanas”.

Havia uma explicação: O outro passageiro também foi seu professor.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 20/08/2012
Reeditado em 20/08/2012
Código do texto: T3840018
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