CELULAR COM VONTADE PRÓPRIA  
De: Ysolda Cabral


 
 
 
Meu celular nunca me deu problema de ordem alguma. Estamos juntos há bastante tempo e sem nenhum atropelo. Já pensei em trocá-lo por um mais moderno, mais bonito, mais vistoso e com mais recursos... Contudo, realmente, não vi necessidade.  Até por que coisas assim não fazem minha cabeça e nem me atraem.
 
Até o dia que, recebi uma ligação pra lá de interessante. Uma ligação que me deixou num estado comum às adolescentes enamoradas.
 
- Que ligação!
 
Dias depois a pessoa ligou mais uma vez e depois mais uma... Foi então que o meu celular ‘’se tocou’’ e cismou. Cismou pra valer!  Percebendo minha vontade de que ela ligasse sempre, meu celular por puro ciúme e despeito, resolveu impedir que a gente se falasse – só pode ter sido isso! Para tanto, bloqueou o número da pessoa, misteriosamente. Quando ela ligava, ele desligava tão logo eu acionasse a tecla atender e se fazia de morto.    
 
- Que coisa! Isso nunca havia acontecido.
 
Corri pra pedir ‘’socorro’’ à minha filha, intima de celulares. Quem melhor que ela para apaziguá-lo? Arrefecer-lhe os ciúmes, os quais, diga-se de passagem, totalmente procedentes? Mas nada! Ela tentou várias vezes, inutilmente.
 
O meu celular me permitia falar com qualquer pessoa, menos com quem eu mais queria ouvir a voz. Ela ligava e ele bloqueava o número repetidamente.
 
Liguei para minha operadora e falei com um monte de técnicos e expliquei o que estava acontecendo. Eles pensaram que eu estava de brincadeira. Mesmo assim me deram um comando. O executei bem direitinho e quando a pessoa ligou, constatei que o número continuava bloqueado.
 
Parti pra ignorância e disse para o meu celular que, se não parasse com o ‘’piti’’ eu iria trocá-lo num piscar de olhos.  Ele sorriu-me indiferença.
 
- E o mistério continuava...
 
Porém, uma coisa deve ser ressaltada e até elogiada: os ‘’adversários’’ eram bons, viu? Muito bons!  Nenhum dos dois dava sinal de querer se entregar. Mais de jeito nenhum!  
 
E, com a ‘’quebra de braços’’ em feroz andamento, resolvi por termo a situação.  Fui, pessoalmente, numa loja especializada e ali a surpresa foi geral. Era uma coisa nunca vista.
 
Todos se habilitaram a descobrir uma maneira de tirar o bloqueio, mas em vão.  Até que surgiu um rapazinho, franzino com cara de nerd e perguntou se poderia examinar o encrenqueiro.
 
E, como num passe de mágica, ele depois de voar com os dedos por sobre o teclado do enciumado celular, liberou o bloqueio no número amado.
 
Todos nós, atendentes, supervisores, gerentes da loja e eu, ficamos impressionados e quisemos saber o que ele havia feito para acabar com a ‘’peleja’’.
 
Ele sorriu sabedoria e explicou coisas que ninguém entendeu.
 
Liguei para a pessoa e aguardei o retorno. Precisava ter certeza de que a paz havia sido restabelecida. Quando o celular chamou, que eu atendi e ouvi a voz do outro lado gritar ‘’ALELUIA’’, tasquei um beijo na bochecha rosada do  rapaz e fui embora feliz.