Cubatão- Memórias - Dos mangues aos bananais. Cap.V

Dias nebulosos:

O dia em que passei a me inteirar mais sobre o que acontecia no meu país foi num dia sombrio.. literalmente sombrio.

Naquela manhã nublada, mal pisamos o pátio do Júlio Conceição e fomos logo informados de que não haveria aula naquele dia. Só não nos disseram o motivo.

Então, na volta para casa observamos um movimento estranho no centro da cidade. Eram Jeeps, carros blindados e uma soldadesca naqueles caminhões cobertos por encerados. Eram os olivas desembarcando na pacata estação ferroviária de Cubatão.

Até aquele momento estávamos achando aquilo tudo o máximo, parecia até o desfile de 7 de setembro. Mas quando cheguei em casa pude ler na fronte do meu pai, que algo não ia bem. Ele me explicou o que estava acontecendo.

Era dia 1º de abril de 1964 e ironicamente tudo era verdade.

Bem, mas a vida continuou mesmo assim, apesar dos pesados e dos pesares. Apesar de um lado e do outro lado.

Uma Rua:

Brincávamos mesmo era no meio da rua, meninos e meninas.

A minha rua tinha um nome oficial e outro por adoção. Eu a chamava de Rua do sol. Eu a batizei assim porque achava que o sol nascia sempre em seu rumo, o que não era mentira, pelo menos em boa parte do ano. Achava-me um privilegiado.

De manhã quando o Astro-Rei se levantava, as frestas na parede de nossa casa permitiam que ele entrasse, espremido, é claro e na parede do meu quarto desenhasse com seu facho empoeirado, uma paisagem pomposa e cheia de quimeras, quase indescritível. Eu me envolvia com aquilo de tal forma que demorava a levantar.

A rua era um chão simples e batido de cascalho de rio. Na época das chuvas, formavam-se poças que em noite enluarada, se transformavam em pedaços iluminados de céu.

Um haicai

Poça de verão-

A luz do poste

Boiando no céu.

Uma Rua:

Nas férias do meio de ano, um mês só, era considerado pouco para tantas brincadeiras.

Soltar papagaios, rodar pião, jogar futebol, rolar gudes, andar de perna-de-pau, andar de pé de lata, rolar pneu, brincar de mocinho e bandido com revólveres feito da raiz de lírio do mato, jogar taco, caçar passarinho, pescar etc. Ufa! quanta coisa pra se fazer. À tardinha aconteciam as cirandas, era quando os meninos e as meninas se misturavam. Aí, a nossa pobre rua ficava mais bonita, rica, engalanada de crianças nessa época e por isso hão de concordar que dois meses de férias ainda seria pouco!

José Alberto Lopes.

José Alberto Lopes
Enviado por José Alberto Lopes em 04/12/2012
Reeditado em 04/12/2012
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