CRIAR COM RESPONSABILIDADE

Enquanto a idade lhe permitiu, a Nathalia foi criança. Criança mesmo. Não adolescente aos dez nem adulta aos quinze. Ainda na infância, passou por fase difícil, por minha culpa, e nem assim amadureceu precocemente. Suas saias eram rodadas, os vestidos largos e floridos, as brincadeiras de fato infantis. Nenhuma roupa colada ao corpo; nenhum excesso de maquiagem; nada em tons abrasivos ou berrantes; nenhuma brincadeira menos ingênua e nada, em nenhuma hipotese, de assistir a programas televisivos inadequados a idade.

Nem precisávamos proibir. A criação que lhe dávamos com palavras e atitudes de fácil discernimento foi suficiente para que nossa moleca não tivesse o desejo de atropelar o tempo. Teve seus dramas, mas cada um desses dramas foi vivido sem adulterar a idade ou impedir as experiências e descobertas próprias da faixa etária. Mais do que eu, mãe foi fundamental para o crescimento coerente da Nathalia, que hoje não é perfeita, mas é uma jovem de corpo e alma. Seus desvios inevitáveis de comportamento sucumbem ao caráter de pessoa sincera, honesta, incapaz de mentir e jogar com o ser humano, somado à grande capacidade de compreender e perdoar.

Quando passei um tempo fora de casa, julguei que o ritmo de criação da Nathalia seria descontinuado. Não foi. A mãe manteve pulso e rédea, sem perder o afeto, e nunca tentou distanciar minha filha de mim. Também jamais a usou como escudo e peça de jogo. Depois do tempo normal de afastamento, pelo susto e a revolta, meu convívio com a Nathalia voltou ao normal. Não houve um só dia em que eu fosse privado de conviver, participar, orientar e restabelecer a confiança abalada pela tempestade.

Mãe consciente, ser humano sensível, pessoa de bom olhar sobre o mundo, além de uma educadora experiente, a mãe não "aproveitou" para "soltar" a Nathalia ou impor uma criação destoante daquela que um dia combinamos. Não deixou de me respeitar, de agir em comum acordo, nem adotou a velha filosofia do "hoje ela está comigo e farei o que bem quiser, deixarei com quem quiser e a levarei aonde quiser sem dar nenhuma satisfação". Com isso, a nossa filha não foi exposta; jamais viu sua integridade física, psíquica e moral ser apostada. Quando não estava comigo, estava com a mãe. No máximo com a avó ou uma de duas tias bem presentes em sua vida. Havia uma "cuidadora", pessoa muito bem recomendada, quase da família; mas ainda assim, com a presença ou a proximidade de pelo menos um responsável consanguíneo.

Sempre houve quem dissesse que prendíamos muito a Nathalia, e que por isso ela poderia se tornar uma pessoa incapaz de agir sozinha; caminhar por conta própria. O fato é que preferimos pecar por excesso a pecar por falta ou escassez de zelo, devido à consciência dos tempos que atravessamos. Se o excesso de zelo pode mimar uma pessoa, isso tem solução. A falta ou escassez de zelo, não. Isso pode gerar traumas incorrigíveis; consequência comum da liberalidade, a "mente aberta" e a confiança irrestrita de quem aposta sem reservas no caráter presente ou futuro de adultos que não têm compromissos consanguíneos com seu filho ou filha menor.

A Nathalia cresceu. Começou a namorar no tempo adequado. Faz faculdade à noite numa instituição longe de casa, trabalha, e aos vinte anos ainda não tem relatos de situações que a tenham embaraçado. Resolve os próprios problemas e assume desafios. Foi criança com alma de criança, é jovem com alma jovem, e pelo visto, não será daqui a muitos anos mais uma criança inadequada; uma "gatinha" da terceira idade; uma garotinha hiperativa e frustrada que se finge dona de si, mas no fundo ainda procura os pais ausentes que a fizeram amadurecer à força.

Hoje a Nathalia sabe que o exercício de sua infância foi respeitado e mantido com responsabilidade. Que o seu bem estar e a integridade pessoal não dependeram da sorte nem do caráter de pessoas que, se quisessem, teriam lhe feito mal. Dependeram sim, da rigidez de critérios de seus pais. Da nossa intransigência magoasse a quem magoasse, quando estava em questão sua segurança. Ela brincou, teve colegas, mas era segura de que, se precisasse, a qualquer instante de seus anos mais frágeis tinha sempre ao alcance os olhos ou ouvidos de pelo menos um de nós.

Foi essa formação que no meio de todas as intempéries de algum tempo teve a capacidade de manter nossa filha com uma personalidade sempre adequada ao seu corpo e à sua idade.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 14/02/2013
Reeditado em 01/07/2014
Código do texto: T4140321
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