JORNALISTA, ARTISTA OU OS DOIS?

Acabo de ser acometido por ataque de riso quase fulminante. Uma pessoa, para mim apresentada há pouco, depois de saber que sou jornalista, disse: "Vocês, jornalistas, são verdadeiros artistas. Vivem em contato com celebridades, portanto são como elas. Admiro muito vocês". O que?! Artista, eu?!

Nós, jornalistas, com raríssimas exceções, confesso, acabamos por ser picados pela mosquinha azul, transmissora do vírus da vaidade, tão logo começamos o curso de Jornalismo. Mas nos considerar artistas, acredito, é certo exagero. É a mesma coisa se compararmos o calouro de medicina que escolheu a profissão só para desfilar com roupas brancas pelos badalados shoppings da cidade e ser chamado de "doutor" após obter o diploma. Fazer Jornalismo, apenas para ser considerado artista, ou para mostrar o rostinho na televisão, é, no mínimo, ridículo. Ser jornalista, evidentemente, é muito mais que isso. Porém esse fã, que repentinamente acabo de ganhar, deve ter lá suas razões.

Já disse, certa vez, Lima Barreto, no prefácio de seu livro Recordações do Escrivão Isaías Caminha: "ais do que qualquer outra atividade espiritual da nossa espécie, a Arte, especialmente a Literatura, a que me dediquei e com quem me casei; mais do que ela, nenhum outro qualquer meio de comunicação entre os homens, em virtude mesmo do seu poder de contágio, teve, tem e terá um grande destino em nossa triste humanidade. Quer dizer, o homem, por intermédio da Arte, não fica adstrito aos preconceitos e preceitos de seu tempo, de seu nascimento, de sua pátria, de sua raça; ele vai além disso, mais longe que pode, para alcançar a vida total do Universo e incorporar a sua vida no mundo".

É justamente isso. Nós, jornalistas, usamos um pouco da tal arte em nosso trabalho, ainda que seja de maneira diferente da usada por Barreto, que também exerceu o jornalismo. Nossa ferramenta é a palavra. Com ela, transmitimos às pessoas os acontecimentos que não puderam presenciar, pois só nos presenciamos. Somos verdadeiros contadores de história. E para isso temos de usar todo o nosso talento artístico no trato com a palavra, para fazer com que os leitores, ouvintes, internautas e telespectadores entendam o que queremos dizer e absorvam a informação dada.

Podemos deixar o texto mais leve, ou até mesmo denso demais. Quem sabe divertido, ou sério. Talvez burocrático ou simples. Podemos fazer rir, chorar, refletir, pensar... É esse o nosso trabalho. Por isso, talvez, sejamos artistas mesmo, ainda que seja só um pouquinho, mas somos. Informamos e formamos opiniões, usando a palavra. No mais, podemos escrever textos como esse, mais leves, que nos permitem "viajar" criar, extrapolar, ousar, assumir um papel, pitar o mundo de cor-de-rosa, essas coisas.

Só não entendo esse fascínio que nós, profissionais contadores de histórias, e muito mal pagos por isso, exercemos em determinadas pessoas, como nesse fã que eu nem mesmo sabia de sua existência. Mas não quero pensar nisso agora. Tenho de marcar hora com meu cabeleireiro, comprar algumas roupas legais para ir a um evento onde vários colegas estarão presentes e distribuir autógrafos por aí. Preciso aparecer impecável para os fotógrafos. Não posso esquecer, também, de desmentir os boatos de que meu namoro terminou. Afinal de contas, sou artista, tenho de me acostumar com isso.