Fria como um imortal

A foto era de menina observando friamente um ponto indefinido. Ponto indefinido moldado pelo corte da fotografia para ser exatamente o momento ideal da estampa. Sua personalidade ficcional combinava o gelo antártico nas veias com total indiferença á dor alheia.

Investiga-se esse desejo profundo que vem da indiferença projetiva em sua conjugação tal qual aceno ao reprimido sentido do prazer. Descobri naquele instante o quanto estamos curvados pela falsa ideia de totalidade fantasiosa. Teria voluptuosamente vontade de limpar o mundo de seus semelhantes?

Teria abominado viver com a esfinge da repetição (fixava mal a ideia de que existem outros humanos) no interior da alma inaparente, e além do mais, apenas parecer um filme patético. Teria meio para se perdoar por ter decidido escrever a si mesma a notificação quanto as abstrações representarem um sem número de configurações...

Ela era fria como um imortal.

Precisava divulgar seus ímpetos coibidos debaixo da beleza intransponível. Precisava da casa perdida na imensa paisagem, e ao mesmo tempo, da chave sobre o inexistente endereço. Jamais em seu coração de fogo correriam aquelas apreciáveis tardes verdes onde poemas floridos surgiriam ocultando a serpente letal, ofídica, repugnante. Era sempre a beleza cortada pela lâmina do medo.

Por quantos dias e noites vararam alma e corpo, sem compreender o labirinto das indagações? Começou a tatear no escuro qualquer objeto de si mesma, para poder sentir apenas isto: aqui está o gélido espelho, aqui a cômoda da varanda, por aqui o corredor do vaso cavo, oco, vago. Temia se tornar uma mulher inútil como balão furado entre silvos de flechas entre a guerra das sutilezas insuportáveis. Temia as raízes das duas causas espelhadas no mesmo mito de si mesma.

Certo idoso confundiu-a no ônibus com a neta. Ela fulminou o pobre velho com acusações imorais. Depois se sentou na borda do divã no horário cálido de sempre, trescalando o perfume exótico da satisfação sádica, tão úmida quanto um beijo saudável de verão. E se todas fossem iguais em gerações até o ano 3800? Seu corpo imoralmente puro brincava com o vento extraído da alma pulverizada pelo fascínio das situações absurdas. Primeiro com a máxima realidade das imagens consumidas nesse apelo de avidez silenciosa, depois trocando o ponto cego das coisas pela agilidade de puma. Mentia com certeza dentro da impetuosa beleza. Estendeu-me o papel, ali estava o primeiro verso de seu sorriso:"Ó Maravilhosa pérola esquecida entre os pelos pubianos da amante". Era como se sentia sempre em seu ser confuso para mudar.

Crescer lhe infligia danos, e por ofício, com o tempo o ato de julgar lhe parecia um brinquedo com certa dedicação orgulhosa para o engano.

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