Gatinhos pretos

Oi meus caros 23 fiéis leitores e demais 35 de vez em quando. Tenho dois gatinhos pretos pra doar. Alguém aí interessado?

São três, na verdade. Só o mais esperto tem nome: Alexandre. Destemido, escala a grade da casa, de uns dois metros, um feito para o tamanho dele. Porisso o nome: Alexandre, inspirado em Alexandre Magno, o Grande.

O Alexandre escala a grade para entrar na área e comer a papinha do seu avô, o Vasco, que teve o maxilar quebrado em um acidente e tem de comer o alimento diluído no liquidificador. Como tem sachê de carne na gororoba que preparo duas vezes ao dia pra ele, os outros gatos também querem, mas pra eles só ração. Já Alexandre, o destemido, enfrenta perigos pela proteína amada. Sempre tiro ele dali, sem bater, e ele volta a subir. Insistente. Lá pela terceira vez é que se resigna a comer a ração com a mãe e os irmãos.

O avô dele é muito educado, não briga com o pequeno pela comida. Já eu não dou moleza, pois se o Vasco não come o suficiente mia muito e alto, a garganta não foi alterada pelo acidente. E eu não vou ficar fazendo papinha pra gato sadio, que se dane o Alexandre e a sua família.

Com o Alexandre eu vou ficar, fui com a cara dele. Já os outros dois eu vou dar. Vou levá-los numa caixa de papelão até a veterinária, realizar todas as vacinas, dar um banho e deixar lá. Todos os sábados a gente pode deixar lá gatinhos para doar mediante uma taxa, as pessoas interessadas aparecem e levam. Logo, vocês já perceberam que a família do Alexandre é formada de bichanos vadios.

Eu os prefiro, são mais fortes e resistentes que os de raça. O Vasco, por exemplo. Sua mãe é uma himalaia. Seus dois irmãos também. Foi o único da ninhada que saiu preto e branco, fruto do descuido aproveitado por um gato vadio das redondezas, kkkkkkkkkk. Fui com a cara dele à primeira vista e disse pra minhã irmã: esse daí é meu! A mana avisou: Tunico, esse gato é tri mião. Não mentiu.

A Louise, minha esposa, não gosta de gatos. Tive de comprar uma briga com ela pra trazer o Vasco pra casa, com o apoio do Toninho Jr. Ele é criado no pátio, com todos os cuidados, veterinário e tal, mas fora de casa, que a Louise não é gateira que nem eu. Já minha sogra mora ao lado e tem umas gatas pretas que vivem filando ração na minha casa, a mãe do Alexandre, que é filha do Vasco (aquilo também não foi afetado), dentre elas. E a prole a acompanha. Sem problemas né, são meus bisnetos e minha neta, tem pra todos.

Eu dizia que amanhã vou levar os irmãos do Alexandre pra doar. Um gatinho e uma gatinha, todos pretos. Só o irmão dele tem a ponta da cauda branca, tri estiloso o cara. Vão ser uns gatos bonitos, os bichanos por aqui são bem bonitinhos. Vadios, mas bonitinhos. E muito bem cuidados, modéstia à parte.

Como não dá pra ficar com todos, vou ter de doar e separar a alegre família. Que lindo é ver o Alexandre, sua mãe e irmãos se lambendo e ronronando, juntos, tranquilos, serenos, à vontade, amados. Dói ter de tirar os gatinhos da mãe e do lar em que se criaram e que são felizes.

Estou me sentindo meio chateado por isso, mas é o que tem de ser feito. Olho para os gatinhos e lembro de um livro de história do Brasil que li, que trata do tempo do início da venda de escravos negros no Brasil Colônia. Havia um relato minucioso de como era feita a venda, de forma coletiva, famílias inteiras sendo totalmente separadas. O cronista falando do triste espetáculo que era, o desespero e o clamor pungente dos traficados da África.

Pensar que o ser humano já foi capaz de fazer isso e que o sofrimento dessas pessoas não teve atenuante, reparo e que tampouco as bestas que o fizeram não foram jamais condenadas por isso. Uma barbárie.

Os irmãos do Alexandre terão um destino muito melhor. Serão adotados por famílias que desejam um felino para cuidar e dar amor. Vou castrar a gata da minha sogra, tenho o aval dela. Prefiro assim.

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Era isso pessoal. Toda sexta, final de tarde, estarei aqui no RL com uma nova crônica. Abraço a todos.

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(Não sei porque eu ainda coloco o link desse blog, eu perdi a senha e não atualizo ele há séculos. Até eu descobrir o motivo pelo qual continuo divulgando esse link, vou mantê-lo. Na dúvida, não ultrapasse, né)

Antônio Bacamarte
Enviado por Antônio Bacamarte em 24/05/2013
Reeditado em 24/05/2013
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