O CARRO NA FRENTE DOS BOIS

Meter-se onde não se deve ou onde não foi convidado é, no mínimo, uma atitude pouco prudente. Mas não foi assim que se comportou este cronista! Melhor dizendo: esta sabedoria (conselho) popular não foi levada muito em conta. Veja então o que aconteceu.

Num certo ano da década de oitenta, registrou-se em minha pequena cidade, Santa Maria da Vitória, um casamento não muito comum: duas irmãs, Eliane e Eliedna Tonhá, ou, mais claramente, Lane e Toza, contraíram matrimônio no mesmo dia. Como amigo de ambas desde a mais tenra idade, fui convidado especial e me sentia bastante orgulhoso disso.

Até o momento, parecem um tanto contraditórios os parágrafos iniciais desta crônica, afinal, eu fui convidado, e daí? Daí, para ir ao citado acontecimento, resolvi usar paletó, coisa que jamais houvera feito. Vesti, enfim, aquela roupa e, desengonçado, segui até a Igreja Matriz.

No trajeto, calçando sapatos de solado de couro e pisando em paralelepípedos bastante lisos, escorregava mais do que boi pisando em azulejo e expunha-me a gracejos do tipo: “Ô, rapaz, você num tá vendo que o defunto era menor que você?”, gritava alguém, referindo-se às curtas mangas do paletó.

Quando cheguei ao templo, já repleto, nem sabia como me portar corretamente, uma vez que estar ali dentro não fazia parte dos meus hábitos. Mesmo assim o fiz, porque um dos irmãos das nubentes, Erlônio Tonhá, esperava-me na porta, uma vez que reservara um lugar bem na frente.

Corria tranquilamente o casório, apesar de outro fato um tanto raro naquela cidade: uma freira seria a celebrante. Mas, como dizia, “apesar das anormalidades”, de resto, tudo estava acontecendo dentro da mais absoluta ordem.

A certa altura, já concretizados os enlaces, noivos risonhos e pais felizes, a religiosa, após suas bênçãos, disse aos presentes que pudessem “tomar uso da palavra”, fazer suas felicitações e externar seus desejos de feliz união.

Milton Borba, pessoa bastante habituada às solenidades litúrgicas, amparando-se em passagens bíblicas condizentes, falou coisas bonitas e concluiu conforme manda o rito:

– Rezemos ao Senhor!

– Senhor, escutai a nossa prece! – respondemos os presentes. Eu, por imitação.

Momentaneamente, fez-se silêncio naquele templo. Como mais ninguém se dispôs a falar, “tomei uso da palavra” e disse algumas coisas – até bonitas (é o que me disseram depois, porque de tanto nervosismo não me lembrava de uma só palavra) e terminei procurando imitar – equivocadamente – meu antecessor:

– Senhor, escutai a nossa prece!

Esperei que os presentes respondessem alguma coisa, como fizeram com Milton Borba. Mas, não. Ouviu-se, em seguida, silêncio preocupante. Achei que não tivesse me expressado direito ou, então, falado muito baixo e repeti em voz mais alta:

– Senhor, escutai a nossa prece!

Pronto! Vi que algum engano havia cometido. Uns amigos próximos a mim, sorrindo, tentavam me acudir, mostrando-me não ser aquilo a ser dito, mas outra frase, ininteligível àquela altura. Suando frio e com o coração a mil por hora, entender o que falavam, era humanamente impossível.

Sem saber o que fazer, achei por bem repetir – mais uma vez – o pedido ao Criador, solene e compassadamente, como que a implorar:

– Se-nhor, es-cu-tai a nos-sa pre-ce! – foi quando alguém, de algum lugar daquela igreja, compadecido da minha aflição, socorreu-me:

– Meu amigo, você botou o carro na frente dos bois. Tem que dizer primeiro é “Rezemos ao Senhor” e nós respondemos: “Senhor, escutai a nossa prece”.

Felizmente, os presentes ouviram-me o anjo da guarda materializado e, unissonantes, conclamamos – uma vez mais – para alívio meu:

– Senhor, escutai a nossa prece!

Ante o rebuliço, aquela solenidade mais parecia uma feira livre e a irmã, tentando a todo custo conter o riso, pedia por silêncio na Casa do Senhor. Inutilmente!

(NOVAIS NETO. Meu Lugar é Aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória. Salvador: Press Color, 2009. p. 145)