Inusitado: cantor- voador

O “inusitado” entra voando naquela manhã de domingo, o silêncio deu seu lugar para a algazarra, bate e rebate, um canto assustado toma conta do lugar. A rotina parece confabular ditos e desditos, a fim de tirar tudo da mesmice!

Barulho de bater de asas. Meu pai ouve um bolero de Ravel no aparelho de som... o barulho o incomoda, levanta do sofá, e vai até o encontro dele.

A fêmea de canário se bate esbaforida do lado esquerdo da gaiola, enquanto, do lado direito, no cochinho de alpistes um coleirinha come, come, come... Esfomeado! Quase morto de fome! Esquelético! Pena e osso, ou melhor, mais pena que osso!

Ali, fica comendo até a exaustão... de repente, nenhum barulho, quieto, dormita por cima do cocho de comida. Vez ou outra acorda para comer mais um pouco... Meu pai abre a portinhola da gaiola e o pega nas mãos, usando a ponta dos dedos, numa delicadeza aconchegante. Resolve abrigá-lo em uma gaiola vazia coloca alpiste e água. A porta fica aberta, para que, ele possa ir e vir.

O passarinho foi ficando... a oferta de comida o deixa forte e lindo! Vez ou outra, ele bate as asas, como anunciando a sua partida e voa para explorar os céus... volta irrequieto, sempre a procura de comida e água!

Uma fresta de luz aquece a madrugada escura, um canto puro e melodioso encantado..., entoa uma mensagem de pura alegria para este filhote de luz teimoso. Festa para o amanhecer. Na casa ninguém mais consegue dormir...

O coleirinha canta a perfeição... seu canto é clássico conhecido como tui tui zel zel, trinados envolventes entram pelo dia afora e adormecem na escuridão da noite.

Um escorregão leva meu pai ao chão! Ao bater a cabeça um coágulo mutilou seus movimentos... cadeira de rodas e cama. De manhãzinha sempre papai é seus passarinhos ficavam ao sol... papai de olhos nos seus pequenos alados, cada um de um modo rolava entre as penas para deixar o calor do sol entrar... bolas de plumas se espreguiçavam nos poleiros, ou, no fundo das gaiolas... fofuras para fixar na retina da memória e nunca mais ser esquecidas.

Numa segunda-feira papai encontra a janela aberta e voa para o encantamento... virou pássaro encantado! Neste dia o coleirinha não cantou..., silêncio dolorido! O choro da minha mãe abafa o seu anuncio de vida plena no seu trinar ao sol.

## Para o meu querido pai Celso de Oliveira um explorador dos sentidos enriquecedores da vida.