O GIBI
Por Carlos Sena (da coletânea “Textículos”)


 
O que mamãe sempre dizia pra nós, seus nove filhos, era que o único bem que poderia nos deixar era a educação. “A gente tinha que ser gente!” Assim mesmo, apesar do pleonasmo. No bojo dessas recomendações de mãe, estava também: “tudo, menos roubar, mentir, matar, levar desaforo pra casa”. Não constava desse cheque liste “não fumar maconha, nem cocaína”, pois vivíamos num tempo em que as drogas eram outras coisas tipo: droga remédio, droga de vizinho, droga de marido, droga de... Independente de qualquer coisa, senti-me tentado a fazer uma “viagem ao meu interior” no sentido de localizar coisas que, por algum motivo não tenha feito na vida. Confesso que segui as recomendações de mamãe à risca: “venci na vida” (ou não!). Acho que fiz de tudo na vida – coisas dentro do socialmente aceito e outras nem tanto. Coisas que me levam a dizer pra mim mesmo “PECADOR, GRAÇAS A DEUS”... Pecados grandes e pequenos e médios me fizeram refém da vida em sua plenitude, mesmo a plenitude da certas coisas patrocinadas pelo anonimato, pela clandestinidade e pela certeza de que o fruto proibido sempre nos parece mais doce...
Diante da vida, rebuscando meus ontens e redimensionando meus amanhãs, descobri que ainda não fiz certas coisas. Coisas bobas como ler um Gibi. Hoje, quando vejo se utilizar a expressão “não tá no Gibi” fico pensando que também a utilizo, mas, a rigor não sei o que seja a leitura de um Gibi. Pelo menos nalguma coisa asseguro que sou virgem de pai e mãe: nunca li um Gibi... Nada contra, simplesmente nunca li um Gibi. O que é mais grave: todos os meus amigos leram Gibi e continuam lendo e Gostando... Mas, isso não me contrai, até me distrai, pois acho que encontrar na vida uma coisa que não fiz é o máximo. Eu queria mesmo era ter feito tudo que mamãe mandou e muito mais... Por outro lado fiz e faço coisas que ela nunca me mandou, mas que me fizeram e fazem feliz no cumprimento do destino de quem, através do estudo, descobriu o caminho do mundo...