O Escritor

- Ôh, “pirigoso”!

- Não é “pirigoso” que se escreve... O certo é “perigoso”.

- Qual é o problema?! Eu estou falando contigo... não estou escrevendo.

- Falando comigo?! Por acaso, ouvimos algum som?! Vamos pensar um pouco... Tu, por acaso, lembras da tua data de nascimento? Claro que não! Nem eu, a minha... Este é o problema!!! Nós fomos inventados agora, tchê... Alguém está “nos escrevendo”, quer dizer, somos personagens de alguém que está escrevendo uma crônica.

- É verdade... Eu não lembro nem da data do meu aniversário, nem de ninguém e nem de nada... É como se estivéssemos começando agora... do nada! Chuiff... Calma – chorar não adianta –, ainda que estejamos vivendo um drama existencial de grandes proporções (cadê Papai? Cadê Mamãe? Cadê minha casa?), ao chamar-me com o vocativo “tchê”, o escritor, através de ti, deu-nos uma pista... Estamos no sul do Brasil, mais propriamente no Rio Grande do Sul! Que maravilha!

- Maravilha?! Maravilha é quando temos diante de nós um quadro completo... Nesta crônica, nós estamos caminhando ou andando a cavalo?! Entrando na cidade do Alegrete ou na de Passo Fundo? Ou estamos tomando café num bar de esquina? Ou seria um chimarrão? É... não sabemos nada de nada... Não estamos enquadrados em contexto nenhum... Que barbaridade!

- Mas, tchê, como é que tu sabes que o nosso escritor está escrevendo uma crônica e não um romance?

- Ele é que escreveu e colocou na minha boca... Esse danado! Se ele fez isso, é porque deve ser... Mas, provavelmente, é uma crônica mesmo... Hoje, as pessoas não tem mais tempo para nada... Têm mil e uma ocupações... O que começam hoje, querem terminar logo... Conheces o tal de “facebook”?! É uma geringonça internética que apresenta fotos e comunicações breves sempre feitas de frases curtas. Tu não vês dois parágrafos ali – um depois do outro –, tchê... Que coisa bárbara! Ah... pensando bem, temos outra pista dada pelo escritor... Chamaste-me de perigoso... logo, sou do sexo masculino! Será que eu sou menino, rapaz, homem adulto ou idoso?

- Se tu és do sexo masculino, qual será o meu sexo?!

- Olha, tchê, essa questão de sexualidade deu tanta reviravolta... Bah, ficou tão complicado... Nem te conto... Antes, na época dos avós do escritor (já que ele, até agora, não nos deu chance de tê-los...), todas as identidades sexuais eram muito bem definidas! E as relações entre elas igualmente! Depois veio a tal da “revolução sexual” nos anos sessenta do século passado... milênio passado... Logo depois, emborcou a chaleira... Até os juízes, atualmente, referendam uniões que são capazes de fazer rodopiar os avós do escritor e de outros brasileiros dentro dos caixões!

- Cuidado, tchê, que tu podes ser preso por discriminação...

- Eu?! Eu nem existo... Minha vida útil é a desta crônica... O escritor é que pode ser preso... E se for, azar é dele!

- Tchê, não fala assim... Foi ele que te criou, te deu a existência, te ama de paixão...

- Ah... é mesmo! Desculpa! Mas, por que tu me chamaste mesmo de “perigoso” no começo desta crônica?

- E tu achas que eu sei?!

Miguel Wetternick
Enviado por Miguel Wetternick em 07/12/2013
Reeditado em 05/08/2014
Código do texto: T4601927
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