Sempre que conto para meus amigos ou colegas de trabalho algum “causo” relacionado a Santa Maria da Vitória ou mesmo falo de alguma peculiaridade da cidade, a reação vem em forma de gracejo na exclamativa frase:

– Só podia ser mesmo em Santa Maria da “Vitória” ou do “Triunfo!”, – como preferem os fervorosos torcedores do Bahia, só para não pronunciarem o nome do time rival.

“Mas será o Benedito?!” Será mesmo que estas coisas só acontecem na minha terra? Não! Não é verdade! Toda cidadezinha do interior tem suas figuras folclóricas, seus “causos” pitorescos, suas singularidades, enfim. Por outro lado, com toda franqueza, não estou totalmente convencido disso, senão vejam o que por lá acontece.

A cidade já nasceu contrariando a lógica por capricho da topografia local: a Rua de Baixo fica na parte alta e a Rua de Cima, na parte baixa. Tudo isso por conta do sentido do majestoso Rio Corrente, que divide a cidade e causa essa aparente contradição. Antigamente, dois tamarindeiros também já faziam essa diferença: o de cima, que ficava perto da ponte Santa Maria–São Félix do Coribe, e o de baixo, em frente ao Museu Guarany, na beira do rio.

Lá também foi palco, no final do século antepassado, segundo nos conta o conterrâneo Clodomir Morais, no seu livro Contos Verossímeis I, da separação de dois gêmeos, Pedro e Miguel, que nasceram unidos à altura dos quadris, por uma parteira e “cirurgiã” leiga, Sabina Parto-Bom. Ao serem separados, Pedro perdeu parte das nádegas e passou a ser conhecido por Pedro Bunda. O segundo ficou com uma proeminência nos quadris, dando a impressão de que portava uma arma, daí, adveio o codinome Miguel Revólver. Este último, eu cheguei a conhecê-lo comprando botinas e “bruzegos” na sapataria do meu pai.

Além destas e outras curiosidades, há na cidade um jardim, cujo nome – ao olhar dos mais imaginativos – vem da “semelhança” que originalmente trazia do órgão genital feminino, na forma chula ou popular, com dizem os dicionaristas, no modo diminutivo: Jardim Bucetinha. O estapafúrdio apelido ficou tão popular que nome da praça – Joaquim Queiroz – foi esquecido e ela passou a ser conhecida como Praça do Jardim Bucetinha, para reprovação de quem nela mora e, logicamente, dos descendentes do homenageado.

Outro jardim, bem mais popular e muito famoso na região, é conhecido por Jardim Jacaré, cujo nome, o ilustre santa-mariense, de saudosa memória, Dr. Leônidas Borba recusava a assim chamá-lo. Quando se referia ao logradouro onde ele está localizado, dizia Praça do Réptil, jamais, Praça do Jacaré, mostrando sua total desaprovação ao apelido dado ao local, pois não poderia admitir que um jacaré houvesse “engolido” seu amigo, que emprestou o nome à praça, o ex-senador e ex-governador baiano, Luiz Viana Filho. A Praça do Réptil, é bom registrar, foi presenteada com dois belos “dinos”, os Mallerossauros, de Chico Mallero, além de jacarés e sapos a contemplarem sua fonte luminosa.

Tudo isso, no entanto, é fichinha, como diríamos ironicamente, se levarmos em conta que nossa Santa Maria da Vitória inventou, agora, de levar ao pé da letra a frase corrente “dobrar esquina”, quando se quer dizer que alguém contornou uma esquina qualquer de uma rua qualquer.

Todo final de ano, Carneirão e Ito de Ponciano promovem um Carnaval fora de época, algo como uma Micareta. A cidade já festeja, no tempo certo, seu tradicional Carnaval. Mas, festa... nunca é demais! É o que pensam muitos.

Para que a Micareta se realize, algo de extraordinário acontece na Rua Teixeira de Freitas, por onde passa um imenso trio elétrico arrastando animada multidão. No início da rua, esquina com a Juraci Magalhães, onde fica a Eletromóveis Janaína, de Nissão, normalmente, o caminhão do trio não passaria, jamais, pois não poderia fazer a curva.

Aí, então, o extraordinário, o irreal acontece: a calçada e a marquise da loja de Nissão têm que ser cortadas bem rentes à parede, para que o ingente monstro sonoro possa passar, “tirando fino”, como dizemos. E isso acontece todo ano, anos a fio. E, por muito tempo, as marcas comprobatórias ficam lá, à mostra.

Cadê, então, o extraordinário, o anormal? O excepcional mesmo é lembrar que aquela história de dizer que o “cúmulo da força” é “dobrar uma esquina”, na nossa Santa Maria da Vitória, “o cúmulo da força” é “dobrar Nissão”, “dobrar a Eletromóveis Janaína”, anualmente, para o bem dos foliões e o desespero geral de quem mora na mais conhecida rua santa-mariense e suas imediações.

Além disso, e por fim, “dobrar uma esquina”, na minha terra – está provado – não é mera figura de linguagem. Lá, esquina se dobra na marra, à força, a marretadas, literalmente, para o trio elétrico passar e a festança acontecer.


Obs.: Esta crônica foi publicado no Jornal O Comércio Hoje, de Santa Maria da Vitória, dez. 2013.

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