O Relógio.
Por Carlos Sena. 



Gosto de tudo que Deus não me deu. Nunca colocarei no meu carro, por exemplo, que ele é um "presente de Deus". Porque até nisso estaria colocando ele (Deus) numa situação mesquinha. Por que não me teria dado uma "MERCEDES BENZ"? Por isso e por muito mais gosto do que Deus não me dá. Porque muita coisa que eu tenho o povo diz que foi dada por ELE. Só que o povo não diz se que o que eu tenho por dentro foi dado por ELE! Porque lá dentro mora um coração e coração continua sendo uma terra que ninguém anda. Nem manda. 
Por muito menos é que gosto do que faço; por muito mais do que não faço e Deus não tem nada a ver com isso. Do que eu gosto, nem às paredes confesso. Do que não gosto também. Do que eu sinto me alimenta o ser, porque no sentir reside o diferencial do humano. E no mentir, o diferencial do profano - pouco profético, pouco lógico, irreal, que não me despertam paixões. Por isso gosto do que construo por dentro e me desconserto com o que os outros constroem por fora e querem me "ofertar". Quem sabe, ora direis, não faz a hora? Não. Quem sabe, verdadeiramente, nunca sabe onde acaba o saber e, assim, não carece fazer a hora, mas desfazê-la para tecer com os raios do dia e a escuridão da noite, caminho próprio para seguir. Sempre que vejo um relógio parado me lembro que ele, pelo menos duas vezes ao dia estará certo.