Meu adeus a Marlene


     1. Aqui, neste mesmo lugar, em modestas crônicas, despedi-me de cantoras do rádio que partiram para sempre, deixando muita saudade. Entre elas, as irmãs Linda e Dircinha Batista, Emilinha Borba, Carmélia Alves e Ademilde Fonseca, a raínha do chorinho. Queria que todas estivessem no céu.
          2. Agora é a vez de dizer adeus a Marlene, que acaba de nos deixar, aos 91 anos. E o faço recordando um de seus maiores sucessos: a marchinha carnavalesca Lata d´água.

          Lata d´água na cabeça/ Lá vai Maria, Lá vai Maria/ Sobe o morro e não se cansa/ Pela mão leva a criança/ Lá vai Maria.  ............ Maria lava a roupa lá no alto/ Lutando pelo pão de cada dia/ Sonhando com a vida do asfalto/ Que acaba onde o morro principia.
     3. Emilinha, Linda, Dircinha Carmélia, Ademilde e Marlene foram as cantoras de maior prestígio no rádio brasileiro nos seus melhores tempos, ou seja, "a partir de meados dos anos quarenta até início dos anos cinquenta."
     4. Tempos dos animadíssimos programas de auditório principalmente na Rádio Nacional do Rio de Janeiro comandados por excelentes apresentadores.
     Lembro dois: Papel Carbono, com Renato Murce e o Programa César de Alencar. O programa do César foi tão famoso que, segundo pesquisadores, "os ingressos para o auditório se esgotavam, via de regra, com duas semanas de antecedência."
     5. Apaixonado, desde menino, pelo rádio, acompanhava, com muito interesse e vibração os gloriosos programas de auditório no pequeno rádio Phillips que meu pai comprara, dizia ele, "só para ouvir o Repórter Esso" na voz do Heron Domingues, um extraordinário locutor noticiarista. 
     6. Mas quando entrava no ar o Programa César de Alencar, ilustre filho do meu Ceará, o pessoal de casa se dividia na torcida por duas grandes estrelas: Emilinha Borba e Marlene, deusas do rádio nos anos 1940-50.
         Menos meu pai que tinha a Carmélia Alves, a dama do baião, como sua cantora preferida, influenciado, claro, por Luiz Gonzaga, o cantor do velho sertanejo. Minha mãe não morria de amores, mas dizia gostar da Marlene.
     7. Eu sempre fui fã da Emilinha. Suas músicas - Chiquita bacana, Tomara que chovaCorre, corre lambretinha, por exemplo -, muito me agradavam. Até cheguei a decorar a letra de uma de suas modinhas que mais de perto me chegava ao coração: Dez anos.
     8. Quem, naquele tempo, ouvia a Nacional, a emissora de maior audiência em todo o território nacional, na "briga" para eleger a Rainha do rádio, ou era emilinista ou marlenista. Elas "eram dois furacões arrastando multidões por onde passavam", escreveu alguém, cultivando-lhes a memória.
     9. Não me recordo quantas vezes a Emilinha, -que se chamava Ivana da Silva Borba - foi eleita a Raínha do rádio. As célebres Revistas do Rádio que eu comprava com a pequena mesada que recebia do pai, desapareceram de meus arquivos, e não sei dizer como.
     10. Mas como emilinista, garanto que a Emilinha foi muito mais vezes coroada rainha do que a nossa querida e saudosa Marlene. A soberana do rádio era eleita diretamente pelos fãs. Mas, segundo as más línguas, por debaixo do pano, o lóbi funcionava em favor da Marlene ou da Emilinha. Mas era uma disputa apaixonada e sincera.
     11. Marlene - Victória Delfino dos Santos era o seu nome - morreu no Rio de janeiro e no Rio foi cremada. Foi uma cantora vitoriosa. Alegrou corações. Fez muita gente feliz. O bom rádio de ontem e de hoje lhe será eternamente grato. Sua voz límpida, divertida, graciosa continuará acariciando as Marias lá do morro, que ainda continuam com a lata d´água na cabeça!
     12. Dado curioso: Emilinha morreu em 2005, no dia 3 de outubro, o mesmo dia em que morreu São Francisco de Assis; Marlene morreu em 2014, no dia 13 de junho, o mesmo dia em que morreu Santo Antônio de Pádua. Cantoras franciscanas?


  
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 15/06/2014
Reeditado em 02/12/2019
Código do texto: T4845947
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