E assim foram felizes para sempre

Dizem os entendidos que enamoramento é um movimento coletivo a dois, que nos leva a romper com outros laços, enfrentar obstáculos e criar um país amoroso. Eu, quando me coloco a divagar, nos braços da insônia, penso de maneira diferente. Nem sempre é um movimento a dois. Aliás, o enamoramento cria sua força na unidade. Os primeiros ensaios dos passos da valsa do relacionamento são quase sempre realizados por um elemento do pretenso casal ao ser tocado pela chama do desejo. Essa chama leva a pessoa a realizar o jogo da dança para atrair a atenção e depois provocar os mesmos sentimentos no outro. Aí sim, começa o dueto. O movimento coletivo a dois. Então começa-se o jogo da sedução. Primeiro o desejo irrefreável, sem perenidade, com a única intenção da proximidade, da satisfação dos seus impulsos

Algumas vezes, logo após esse sentimento vem a paixão. Ela desespera, cria a necessidade de ter o outro e ao mesmo tempo é acompanhada pelo medo se ela dará um amanhã amoroso. Atraída, a pessoa despenca sobre o objeto da paixão, inventando qualidades, ignorando defeitos e é tomada pelo sentimento de posse. Ela vem galvanizar, eletrizar com uma força incomparável, empurrando um ao encontro do outro, fazendo brotar a possibilidade do amor.

Em raras vezes depois vem o amor. Ele pensa, deseja a perenidade. Tenta enxergar o outro em sua realidade individual. Tem o rosto bem definido e sua principal característica é tornar o outro no único objeto do seu prazer. Tem desejo, tem paixão, mas já não são elementos preponderantes. Ele é reflexivo, pois socialmente vai levar ao acasalamento, à reprodução.

Na maioria das vezes, infelizmente nem sempre, após o amor vem o afeto despertando o companheirismo, a cumplicidade, a tolerância e principalmente a realidade. É aceitar o outro como ele é. Compartilhar a intimidade de forma serena, onde sobraram lembranças gostosas do desejo e da paixão. É caminhar pelos caminhos já tão conhecidos, recordando as explosões de sentimentos que cada canto, cada curva e cada movimento já despertaram. Então o caminhar é suave, apreciado com sabedoria e doçura de quem é grato por ter experimentado tantos prazeres juntos. As preponderâncias, as rugas que não existiam, passam ser não o motivo pela falta de desejo, mas a certeza que percorreram juntos um longo caminho, trazendo cada uma delas, uma recordação de paixão e desejo famintos que ali foram saciados. O toque na intimidade ainda esfria o ventre e arrepia a pele, pois ali foram registrados momentos de prazer e de entrega.

Essa trajetória só é possível se ambos conseguem substituir sem o sentimento de perda, as fantasias pela realidade e que o compromisso nascido do sentimento não representem “as amarras e obrigações que impedem o pleno desenvolvimento do eu". O compromisso significa o coroamento da vida e não a capitulação perante uma armadilha.

E assim, foram felizes para sempre.