Projeto do meu velório...

Apenas por tradição chamo de velório, mas peço desde já que não acendam velas ali onde é o inicio do meu descanso eterno! Dispenso as velas porque fumaça e aquecem o ambiente, às vezes a um grau infernal. Coloquem pequenos ventiladores girando em velocidade suave, dará aos que ali estiverem a sensação das brisas celestiais! Nem seja chamado de “câmara ardente” aquele momento, se eu tiver que arder que arda sem ninguém saber. Quero deixar a impressão que fui para o céu.

Deverão chamar os meus últimos instantes na terra, mesmo morto, de “O último chá beneficente”, cujo resultado apurado deve ser revertido para alguma família carente. Amigos, familiares ou curiosos que queiram ver o meu corpo vestido de terno claro, gravata colorida, e um sorriso eterno, afastem esta idéia da cabeça e não se escandalizem com as vestes que escolhi; camiseta cavada e bermuda de algodão, e dispenso cuecas. Para que? Se duro vai estar meu corpo!

Havendo alguém com visão biônica, me verá refestelado lá em baixo, onde deve ser quente! Prefiro doar o terno para algum vendedor de seguros ou pastor de uma igreja pentecostal; eles é que adoram andar com palito. Para ingresso no salão fúnebre levem dois quilos de alimentos não perecíveis. Aviso que não vale sal, fubá, farinha de mandioca ou macarrão espaguete. Levem coisas boas, afinal um gesto deste acontece uma vez na morte, então não sejamos miseráveis como o fiel da missa que procura a nota de real mais velha e amassada para ofertar ao nosso Deus. Ora se é para dar que o faça com desprendimento!

Eu ameaço “voltar para puxar o pé”! de quem não levar bem pesado os dois quilos que estou solicitando. Isso nunca acontece, mas a maioria tem medo e vale blefar. Para aqueles que vivem na torcida para que eu embarque logo na última viagem, primeiro espero que nem tomem conhecimento que eu tenha morrido. Aos que souberem do meu desenlace, mas não gostavam de mim, será engraçado que eles enxergando alguém muito parecido comigo, saiam as carreiras dobrado a esquina pensando que estão vendo fantasma. Para os usuários de Internet, que continuem me enviando mensagens ofensivas, não terão nenhuma resposta, assim minha alma se divertirá com a frustração deles!

Minha alma irritada? Para onde Deus me mandar estarei feliz; ou no Paraíso com anjos ao meu redor, ou no inferno junto a centenas de outros jornalistas. E se é que a gente lá do alto pode enxergar alguma coisa aqui a terra, ou da terra ouvir minhas gargalhadas, elas serão parecidas com as que em vida terei dado. Estarei achando graça dos políticos que por lá encontre e que se diziam “imortais”!. Estes podem dispensar a doação dos alimentos, são almas famintas dignas de piedade!

Flores? Por favor, não quero. Só se forem as de tecido feitas por alguma alegre vovó, e não mais que meia dúzia. Flores de plástico não; além de artificiais como o “forró de plástico” e o “axé de silicone”, e tão vulgares como “samba de academia”, elas levam quinhentos anos para dissolver. Forró, axé e samba é coisa povo e só tem sabor se vier autentico! As flores nunca me fizeram algum mal, para que eu as tenho que matar e as levar comigo?

Silicone me lembra os falsos bumbuns femininos, que só são agradáveis de se dar uma apalpada quando são de carne, mesmo na versão econômica. Se fosse para eu apalpar bumbum artificial, me casaria com um manequim destes que ficam em vitrines de lojas..

Como sempre há um culto para consolo dos vivos, que seja este com ritmos cristãos alegres e acompanhado de uma banda evangélica que cante músicas gospel. Escolho como leitura bíblica: “Disse então Maria: A minha alma engrandece ao Senhor. E o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador”. (Lucas 2:46-47).

Em determinado momento será servido o chá da tarde, quando a minha amada viúva ouvirá em voz e violão, na voz de um cantor que seja bonito, afinal mulheres ouvem e olham a canção, ele dirá com os olhos nos olhos dela que eu, o falecido ali esticado, dedico uma canção a ela. Será a canção poética de Vinicius de Moraes “Eu sei que vou te amar”, e peço que para a minha amada que dos seus olhos saírem choro, que chore pela emoção que transmitem os versos e o cantor, não pela minha morte!

E ao findar a canção, no momento do "Soneto da Despedida", a última estrofe será de minha composição: “Pelo antes por nossos passos, / Pelo que na vida eu te amei, / Neste instante desato o laços, / Com os quais eu te amarei!”... Segue o caixão!

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(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi Bahia, e nútre a idéia de que morrer é alago mais comum do que nascer. Para nascer um são necessários dois, o papai e a mamãe! Para morrer basta um... Ele próprio!

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Meus queridos leitores,

profissionais ou amadores,

para registro no meu diário (de morte),

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