O homem da cachaça!

Há pelo menos trinta anos, em uma das minhas visitas a cidade de Teresópolis, eu não me lembro o dia, mas era um dia frio, busquei no almoço uma “sopa minestrone”, aquela sopa de origem italiana feita com legumes, macarrão espaguete e feijão. É uma iguaria internacional muito consumida em regiões frias.

O restaurante de portas de vidro, que quando abertas entrava aquela “baforada” fria, estava lotado e mesas cheias de “minestrone” e vinho. Meu vinho preferido era o “Chateau Duvalier Rosê - 750 ml”, que se em outras regiões se consome resfriado, lá em Teresópolis descia pela goela a temperatura ambiente, ou seja; resfriado pela natureza!

Eu ocupei a mesa mais próxima da porta, de onde via o movimento da rua, onde a condensação que chamamos de “fumaça do frio”, fazia a gente pensar que as vovós que por ali passavam estivessem com seus cachimbos acesos. Ri muito de um jovem que atravessou a rua de bermudas e camiseta, mas por cima um pesado casaco que ia até abaixo dos joelhos, sem falar na comprida meia de futebol que esquentava da canela ao joelho.

Minha visão distraída não percebeu a aproximação de um senhor, talvez dos seus cinqüenta anos, vestido com um casaco ralo e tremendo como se necessitasse de um novo e mais eficiente agasalho. Ele parou e me olhou alguns minutos, e deve ter me achado com cara de pessoa boa. Havia tantos transeuntes na calçada e ele me escolheu para fazer um pedido: “Moço me paga uma cachaça?”

Eu, com minha exagerada visão moralista fechei a cara e abri a porta de vai e vem, para ouvir o que ele pedia e recrimina-lo: “Se quiser uma sopa eu lhe pago, mas para beber cachaça nunca!”. O homem ouviu com naturalidade, como que acostumado ao mesmo sermão, calmamente levantou os olhos Jesus piedoso, agradeceu-me e completou: “No momento eu preciso de uma cachaça, depois sopa”.

Lembrei que havia lido sobre a “hiportemia”, estado clínico pelo qual o corpo perde calor, principalmente em dias de muita chuva, vento ou frio. Quem não estiver bem agasalhado pode perder o calor do corpo. Isto é muito perigoso. Às vezes a pessoa não percebe o que está acontecendo. Fica tão confusa que não pede ajuda e pode morrer. O meu amigo daquele dia pedia ajuda. Até que ponto uma doe de cachaça faria mal aquele homem, e quem poderia fazê-lo? Me dividi nesta pergunta.

Então o convidei a entrar, sentar-se comigo a mesma mesa, mandei vir uma dose de boa cachaça e um outro “minestrone”, e até eu fiquei mais aquecido, pois o estado emocional criado acelerou-me a circulação. Nem sempre por mais certos estamos certos! Então aprendi que antes do ao, em qualquer situação, devo fazer um retrospecto da situação, ver a necessidade do agasalho que o irmão necessita. Feliz era eu que me agasalhava com um bom vinho, mas que é bebida alcoólica também!