O "papel" social do palavrão

Percebo, por vezes, sobre o papel comunicativo e cultural, ainda que de forma nem sempre ortodoxa, sobre o papel do palavrão. Quero fazer um comentário sobre este tema, tão presente no cotidiano de quem o pronuncia ou não, mas que ouve diariamente.

Quem ao menos nunca ouviu alguém falar aquele palavrão escandaloso, quando, depois de uma jogada magistral de um meia-direita, na hora que ele deixa o seu amigo centroavante na cara do gol, sem goleiro, o cara isola a bola e ouve aquele sonoro palavrão? Ou em uma batida de carro, quando o atingido xinga o ofensor, a mãe do ofensor e a posteridade toda de quem bateu o seu automóvel. Ou também aqueles termos de baixo calão que soam como interjeições em momentos de impasse, de indecisão ou de derrota. Pior: palavrões com o único intuito de denegrir a imagem de uma pessoa ou mesmo diminuí-la, atráves de conteúdos sarcásticos e irônicos.

Não falo e nem gosto de falar palavrões. Creio que a lingua é arma para abençoar pessoas, mas também para destruir vidas. Também, não vou ser hipócrita, ao construir uma imagem santarrônica. Confesso que, raramente, falei um ou outro palavrão, seja nos jogos de futebol ou em uma ou outra eleição dentro do Movimento Estudantil ou no Partido. Quem me conhece a fundo, sabe quem eu sou, o que penso, o que pratico e podem referendar tudo o que digo aqui nesta breve crônica. Depois, sempre vinha dentro de mim a tristeza, por ter pronunciado aquilo e ter feito mal a mim e ferir ao meu próximo mais próximo - ou próximo a mim naquele momento.

O que mais indago a mim mesmo, e que até agora não obtive respostas, é o porquê da expressão usual dos palavrões como algo corriqueiro... talvez um extravasamento de emoções e sensações. O mesmo palavrão que é usado na comemoração de um gol, após uma carga emocional altíssima de estresse, é o mesmo usado por uma torcida para humilhar a adversária. Para variar, outra pergunta que tenho é por que todos os palavrões com o sentido de denegrir possui uma conotação claramente homossexual.

Outra pergunta que não me faz calar é porque todo o palavrão tem conteúdo de fundo sexual - ou se não é sexual, é algo impuro ou nojento. Mais ainda: por que hoje alguns palavrões são tão relativizados, a ponto de, atualmente, serem expressões aceitas e veiculadas na mídia com a maior naturalidade?

Eu até concordo, segundo alguns teóricos linguístas que a lingua evolui, conforme as próprias relações presentes na sociedade. A lingua acompanha as transformações políticas, econômicas e culturais. Pode resistir como se adaptar a uma determinada conjuntura histórica.

Entretanto, fica difícil entender como o palavrão subsiste a tudo isso, atemporalmente e ultrapassando classes sociais e lugares; percorrendo do Norte ao Sul, passando pelo Rio e São Paulo. Vai desde o linguajar do indivíduo abaixo da linha de miséria até o empresário bilionário; do jogador de futebol, do funkeiro e do bicheiro até de um intelectual, de um procurador, de um político e de um ou outro magistrado de qualquer um dos tribunais afora.

Seja como for, tenho alguns questionamentos sobre a origem, a evolução e o uso do palavrão. Deveria entender alguns mecanismos psíquicos ou linguístico-culturais para compreender as razões que motivam alguém a pronunciá-los. Entender, sobretudo, as condições históricas que geraram a origem de uma expressão chula ou de baixo calão. Enfim, as motivações fúteis e banais que alguém, em um momento inesperado - ou até previsível, dependendo da pessoa que conhecemos -, solta aquele palavreado chulo, tendo um efeito até jocoso. Ou em momentos de desespero ou de acidente, ao invés de gritar Deus ou Jesus (ou algo parecido), solta uma sonora expressão de âmbito pornográfico, com palavras que até Deus duvida.

Sou contra qualquer tipo de palavrão, até porque não acresce em nada e sequer dignifica a pessoa que exprime ela.

No entanto, gostaria de entender o significado e o porquê delas. É um desafio, neste fim de crônica - se é que posso chamá-la como tal. Eu me predisponho a saber. Nem que, para isso, alguém possa se dispor a me ajudar a entender uma curiosidade de âmbito tão pessoal, mas que não pude me segurar. Daí a razão de soltar isto, neste manuscrito virtual em forma de crônica; tão cotidiano como eu, você e quem mais vive neste mundo - gente da gente.