O meu partido

Nunca parei para escrever sobre este assunto. Confesso, particularmente, que sempre comentei com os meus amigos e conhecidos sobre o perfil popular do meu partido.

Eu me orgulho dele!

Entre figuras carismáticas, caricatas e folclóricas, arrisco a temer que eu seja mais um dentre eles. Um amigo meu de longa data, em um comentário bem-humorado, sempre diz, volta e meia, que o meu partido é um zoológico. Lá, a gente consegue encontrar umas espécies tão raras; em outros lugares, jamais encontraria.

Longe de ser uma crítica, acho bom. Algo pitoresco que reproduz, de certa forma, uma realidade bem crítica.

Volta e meia nossos intelectuais narcísicos, profissionais da mídia televisiva, impressa e virtual - além de formadores de opinião pública - tentam esconder, mas não conseguem. A cultura popular é ímpar, abrangente e ultrapassa o senso comum do cotidiano mais simplório possível, ocupando inclusive os espaços das academias e até dos partidos políticos.

Assim, as agremiações partidárias dizem, com sua história ou por pura retórica, sobre a sua origem, destino, ação e vocação.

Dentre os 4 M (mendigos, malucos, mentirosos e marginais), a gente encontra de tudo um pouco nesse partido. Nas reuniões do Diretório Municipal e Estadual, entre intelectuais, empresários, profissionais liberais e gente simples do povo, eu encontro e vejo de tudo.

Quando falo aos meus conhecidos, muitos deles acham que estou inventando moda ou história, mas é um fato inequívoco. Longe de ser motivo de mofa e de chacota - para os racalcados que me chamam de "populista"-, me orgulho em fazer parte de um partido popular. Ele resgata o que há de mais sublime nas ruas e esquinas. Fala a lingua de gente sofrida! Aceita, na prática, gente de todo o tipo. Não se atém apenas ao discurso verborrágico de um ou outro dirigente.

Convivo lá entre sãos e desiquilibrados; sóbrios e ébrios. Narcisistas e gente simples, dentre pessoas que, por vezes, narram suas próprias vidas e momentos como fatos históricos únicos, presentes, por vezes, numa visão positivista da História. Quem não comunga com os tais, não tem sequer autoridade moral ou intelectual de falar sobre a história da sua agremiação política.

Enfim, o Partido confunde-se com a vida destas pessoas, em um "estado de espírito", bem ao perfil hegeliano, construindo o projeto de Brasil - ainda que avesso (será!?) aos jogos de disputa intrapartidária ou da macropolítica.

Voltando ao nosso papo inicial, na reunião do meu Partido eu vejo de tudo! Tudo e mais um pouco!

Gente que, na hora de sua intervenção, resolve, em um "ato mágico", soltar a varinha de condão por meio do microfone e, ao invés de fazer uma breve intervenção de 2 ou 3 minutos, resolve encarnar, em si, o papel de orador na tribuna, ainda que ela não seja palpável. Entre os discursos arrolados, muitos declaram a sua fidelidade ao Partido, com as suas bandeiras e a sua devoção ao seu criador, em um culto à personalidade.

Por vezes, acho que estou em uma igreja. As manifestações espirituais, como a glossolalia e o momento de efusão espiritual coletivo, se dão com os gritos e as declarações de afeto sincero, a partir da chegada do "leadership" ao auditório.

Quando vejo isso, fico emocionado, ao observar o grau sincero de pessoas que, sem qualquer amparo político ou assistêncial do Poder Público, confiam na condução do Líder como a pessoa que, carregada de seu destino e desígnio, conduzirá eles a um mundo mais justo e mais fraterno. Em uma perspectiva, por vezes, escatológica e até mesmo messianista.

Continuando, comparo os militantes do Partido aos membros de uma congregação; o líder partidário carismático, ao Pastor ou ao Padre/Rabino. Os demais membros na mesa, entre os integrantes da Executiva Municipal, Estadual e/ou Nacional, como os demais líderes eclesiásticos secundários da igreja.

O discurso do militante, em meio ao "culto-reunião", é uma "oração" para o Partido e ao seu líder maior ou fundador. Por outro lado, este militante, com suas expressivas gesticulações, quer que os outros pares seus o admirem, no patamar de um grau acima dos outros - na busca irrefreável em alcançar um papel de liderança secundária, como dirigente, para seguir os ideais do líder carismático.

Por mais que eu tente racionalizar a vida partidária - algumas vezes até que eu consigo -, tem horas que, sem querer, reproduzo isso.

Antes, tinha um enorme peso na consciência, face a crítica de outros partidos de esquerda ou ditos assim.

Hoje, nem faço questão.

Isso está enraizado na cultura política brasileira. Cada partido, de forma direta ou subliminar no Brasil, tem seus patronos.

O PT de Lula, o PSOL da Heloísa; o culto a Stalin feito pelo PCdoB e PCB (junto com Prestes, o "cavaleiro da esperança") e o culto deslavado e indisfarcável a Marx e Trotsky pelo PSTU e PCO.

Por outro lado, temos os dissidentes trabalhistas associados ao Garotinho, além dos DEMO's, divididos entre o personalismo de Cesar Maia, ACM e companhia e o PP de Maluf. Até o PSDB, que pousa como "partido modelo", está emergindo com figuras do perfil do Serra e do Aécio, em um culto velado, mas vivo. Fora as figurinhas de perfil claramente apartidário, como o Clodovil Hernandez, Frank Aguiar e até mesmo, em grau menor, mas do mesmo perfil, o "Robgol" (ex-jogador do Paysandu), o Roberto Dinamite e o controverso Eurico Miranda, em processo de decadência.

Voltando a narrativa, já ouvi de tudo. Histórias quixotescas de ambulantes, de gente do movimento sindical, de mulheres, negros e até da juventude! Histórias e casos de gente que diziam cada coisa que a gente não sabia se era para rir ou para chorar.

Uma delas se chamava Márcia de "Moura Brizola" e assinava o nome como tal. Dizia ser a nova mulher do ex-Governador e Presidenciável Leonel Brizola.

Nem a Globo ou a Veja sabia! Só o Partido.

Acreditem!

Entre piadas e chistes do conjunto da militância, a galera sempre perguntava, em um momento ou outro: "Márcia, cadê o seu marido!?". Eu ria muito, confesso. Todavia, sempre a respeitei como uma militante devotada, a ponto de se expôr ao ridículo frente a outros militantes.

Sempre pensei, introspectivamente, sobre o grau de logicidade das loucuras da Márcia. Ao meu ver, isso se devia à devoção contínua que ela nutria por Brizola, em um amor que ultrapassava o campo ideológico e político, resultando em um amor platônico.

Continuando, outra pessoa falou, em uma de suas conversas para mim, que o Brizola, na fundação do novo partido trabalhista, após a perda da sigla do PTB, precisava urgente da última assinatura para fundar o PDT e essa pessoa se encontrava no bar de pijama, em Duque de Caxias.

Brizola, desesperado, telefona para essa pessoa. Após várias tentativas frustrantes, eis que o nosso "herói de Caxias" atende. Leonel, em apuros, implora a sua assinatura para a fundação do Partido. Logo após o término do telefonema, o líder trabalhista, em mais de uma das suas aventuras políticas, sai da sua residência, na Zona Sul, e vai até Caxias para pegar a assinatura do cidadão para fundar o Partido.

Outra história mirabolante e bem-humorada, expressando o grau de interatividade dos militantes com a história política brasileira contemporânea, é de uma mulher ligada ao movimento de trabalhadores ambulantes. Se sentia, enfim, como uma participante decisiva no momento da queda de Jango.

Ela afirmou para mim que, no dia 31 de março de 1964, estava conversando em um restaurante com João Goulart. Ele, ao ler atentamente o Jornal Última Hora, falou o seguinte para a mulher:

- Olha, minha amiga... vou ter que ir para o Uruguai! Os militares e o Lacerda estão dando um golpe no meu governo. Um beijo!

E lá foi Jango saindo do restaurante rumo ao Uruguai, deixando a nossa militante sozinha e desemparada, ao léu.

Assim vive o meu partido. Entre histórias, casos, pilherias e contos intermináveis de uma militância, vivendo no limiar entre a nostalgia e o ideário de transformação nacional.

Se fosse contar as histórias, as figuras caricatas e os personagens folclóricos... ah! Perderia horas.

Mas em meio a tanta agitação, loucura e alegria, o momento de sobriedade, vinda de uma visão genuinamente popular, vem da lucidez de uma senhora idosa que eu tenho muito apreço, que é a "Dona" Albertina Néri. Por ela, o meu partido deixou de passar por uns bocados e constrangimentos gratuitos. Quem conhece ela a fundo, sabe que, acima de sua catárse e de seus momentos de ziguezeiras, existe uma mulher lúcida, inteligente e que incomoda muita gente, entre militantes, simpatizantes e até dirigentes.

Enfim... não sei se esta crônica possui a exatidão que ela merecia ter.

De fato, uma coisa posso afirmar.

Quem vive essa realidade como eu vivo, de forma empírica e por vezes, diferente da visão distante e "oficializada" da academia, sabe muito bem das coisas que falo com certa autoridade.

Como eu, cada pessoa integrante se orgulharia da genuidade do Partido carismático e popular. De sua gente. Gente que trabalha, que luta e que sonha!

Gente que devota as suas esperanças em um líder, depositário de idéias e concepções de mundo e de sociedade.

Gente do meu partido!